Suspense “A Entidade” tem boas cenas, mas se perde no final

Suspense “A Entidade” tem boas cenas, mas se perde no final

Há um mérito inegável em “A Entidade”, filme cujo título nacional entrega mais do que deveria: as cenas em que o diretor, Scott Derrickson, o mesmo de “O Dia em que a Terra Parou” (2008) e “O Exorcismo de Emily Rose”, resolve colocar todo suspense possível, são de arrepiar a espinha. O problema é que o filme não tem muito mais para mostrar além disso.

A trama, que abraça alguns clichês do gênero, é centrada em um escritor chamado Ellison, papel de Ethan Hawke. Ele é especializado em desvendar crimes sem solução plauzível e, depois, publicar a história (não é por acaso que “A Sangue Frio”, de Truman Capote, seja mencionado). Mas como seu único sucesso foi dez anos atrás, ele precisa de um novo hit, e por isso resolve se mudar para uma casa onde uma família foi assassinada enforcada, com a exceção de uma das crianças que está desaparecida. E é aí que as coisas ficam estranhas.

Ellison encontra no sótão uma caixa contendo uma série de rolos de super 8. As imagens, aparentemente corriqueiras, com cenas da família que vivia na casa, subitamente dão lugar à cena de enforcamento. Os outros rolos mostram outros assassinatos, de outras famílias, com desaparecimento de uma das crianças, que podem estar relacionados, levando o escritor a pensar que encontrou uma mina de ouro. Ou a danação de sua própria família.

Ao longo da primeira metade do filme, o uso esperto de luz e sombra (mais sombra que luz, diga-se), aliado à interpretação competente de Hawke, dão o tom necessário. Não sabemos do que se trata o mistério e a trilha angustiante vai criando o clima de medo e paranoia para que embarquemos nas dúvidas do personagem, enquanto não sabemos a origem da ameaça. Isso ajuda a, ao menos, disfarçar os clichês da trama: escritor atormentado, que não dá atenção para a família, cujos filhos estão desenvolvendo problemas psicóticos e a mulher já está no seu limite e está dando uma última chance a ele.

São três sequências particularmente boas, ainda que longas demais para gente que não é muito fã de suspense e caiu meio que de paraquedas na sala de cinema. Ainda assim, o uso das já citadas trilha e jogo de luz e sombra, especialmente em uma em que a luz da casa acaba, e a iluminação é feita pelo próprio Hawke com o flash da câmera do celular (em espírito, lembra o fotógrafo de “Janela Indiscreta”, que usa o flash para atrasar o assassino).

Os problemas começam na segunda metade, quando fica clara a origem genérica e preguiçosa de todo o mal. Todo o suspense do começo (apesar de clichês como o do policial que manda eles saírem da cidade já na primeira cena) é jogado por água abaixo quando sabemos a origem da ameaça, ainda que o título nacional “A Entidade”, além das sinopses, já entregue que seja de natureza sobrenatural. “Sinister”, que é simplesmente “Sinistro”, não tem essa conotação sobrenatural, e não prevê nenhuma entidade. Ainda assim, é genérico e aleatório demais.

Outro ponto negativo é o mau uso dos personagens secundários. A esposa, os filhos e os dois policiais. São tão poucos e, ainda assim, o diretor consegue com que eles tenham nenhum aprofundamento. O filme é jogado nas costas de Hawke que, mais experiente (desde os tempos de “Conta Comigo”), ainda consegue se virar com seu personagem, criando seus dois dedos de camadas de leitura.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.