“12 Anos de Escravidão” é dura metáfora para a condição do negro

12 Anos de Escravidão

Mesmo que reconte a história real de Solomon Northup, negro livre que é enganado e vendido como escravo, “12 Anos de Escravidão” é usado pelo diretor, Steve McQueen, como uma metáfora da condição dos afrodescendentes, especialmente nas Américas. O que faz deste um caso raro de filmes que, mesmo baseados na realidade, são mais importantes pelo seu valor simbólico.

A afirmação, “ainda que os negros estejam livres no papel, insistimos em mantê-los em condição subumana”, é categórica no filme. Daí a necessidade de imagens tão literais. McQueen quer deixar bem claro que a violência contra eles é, ainda, uma chaga aberta, como ficam as costas dos escravos depois de sessões de chibatadas. Mostrar isso de frente, com a luz bruxuleante dos lampiões não é sensacionalizar. É fazer um testemunho de fé.

Solomon, defendido com bastante garra e concentração por Chiwetel Ejiofor, ganha ainda mais força, por ser baseado em um homem real, que passou por aquilo tudo – muito mais, na verdade, se pensarmos que 12 anos foram condensados em duas horas. Quando é sequestrado, ele perde suas roupas e seu nome. Como se lhe negassem a humanidade, transformando-o em um misto de animal doméstico e propriedade.

É assim que os donos tratam os negros. As piores cenas mostram os proprietários fazendo carinhos de dono ou se apoiando neles como uma parte da mobília. E cada um deles, que vão passando Solomon de mão em mão ao longo dos anos, representa um aspecto do discurso de dominação racial que ainda existe hoje. E, salvo exceções – demonstradas no filme -, tanto a crueldade quanto a benevolência está ligada a um mesmo lugar: a manutenção dos privilégios de uma classe social. E as justificativas são desde econômicas até religiosas. É particularmente cruel, porém, notar que as religiosas são predominantes.

Os diversos negros escravizados também representam várias faces da dominação, do ponto de vista de quem é dominado. Há o que abraça a condição de animal da casa, há a que aceita a condição de concubina, há o revoltado, que se rebela, e há o que se resigna. E no meio de tudo isso está Solomon – chamá-lo pelo nome escravo, Platt, é, não custa lembrar, reduzi-lo a sua condição escrava -, que luta para manter sua humanidade, antes mesmo de sua dignidade. E, mais, o método escolhido para isso, o único eficiente, é o de esconder quem é de verdade. Vê-lo se omitir é tão cruel quanto ver as chicotadas em suas costas.

“12 Anos de Escravidão” não é mais um filme que quer contar os horrores acontecidos nas vastas plantações americanas, relegando isso ao passado. Ele não foi feito para relembrar ou para contar para as pessoas o que aconteceu nesse passado sombrio. Sua real intensão é partir disso para mostrar como ainda hoje permanecem intactas essa estrutura de dominação. O que faz dele um trabalho urgente e necessário.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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