“À Beira do Caminho” nos conquista pela honestidade e atuações

“À Beira do Caminho” nos conquista pela honestidade e atuações

Os road movies têm, em sua maioria, uma lógica muito simples. Existe um total de duas alternativas básicas para o roteiro: ou o personagem precisa ir para algum lugar (“Easy Rider”, “História Real”), ou fugir de algum lugar (“Na Estrada”, “Na Natureza Selvagem”). Mas todo road movie, no final, é sobre a estrada, e sobre o que os personagens aprendem sobre si mesmos enquanto estão nela. Daí a força do gênero que parece, com toda a sua simplicidade, não se esgotar nunca.

Em “À Beira do Caminho”, Breno Silveira abraça o road movie que ele apenas ensaiou na primeira metade de “2 Filhos de Francisco”, seu último longa. E se a estrada era uma parte da trajetória da dupla Zezé Di Camargo e Luciano no filme anterior, ela é agora o veio condutor da via sacra do caminhoneiro João, interpretado por João Miguel.

A saga de João, o personagem, se enquadra no segundo tipo de narrativa de estrada: ele precisa fugir, mas não de um lugar. João foge de seu passado, de quem ele já foi um dia. Em seu caminhão, andando a esmo pelo Brasil, afogado em sua mágoa-de-si-mesmo, ele acaba cruzando com Duda, um simpático órfão, interpretado pelo jovem talento Vinícius Nascimento. E é quando convive com a inocência de uma criança, que João vai conseguir encontrar sua redenção. Vai poder finalmente pegar o caminho de volta para si mesmo.

Silveira tem alguns bons trunfos na manga para compor o seu filme. As músicas (exclusivamente) de Roberto Carlos, ao lado das frases de parachoque dos caminhões, sempre fazem um comentário sobre o que está acontecendo em cena. Também ajuda a bela fotografia, que vai descendo do semiárido nordestino para a mata atlântica de São Paulo, ao mesmo tempo em que João vai recuperando sua humanidade. Mas, mais do que isso, as atuações acabam sendo o melhor que o filme tem para o espectador.

Começando por João Miguel, que faz muito com o pouco de falas que tem, coisa rara em produções nacionais, sempre tão verborrágicas. Sua coleção de gestos, tons de voz, olhares e trejeitos são tudo o que precisamos saber do personagem. Chega a ser desnecessário Rosa, interpretada por Dira Paes, dizer “você precisa parar de fugir do seu passado”, reforçando o que já está mais do que óbvio. Falando assim, parece que Dira faz um personagem acessório, mas não é verdade. Rosa, cuja história se entrelaça mais e mais com a de João, é quem, por oposição, confere os primeiros traços de humanidade a ele.

Mas é o jovem Nascimento, com seu Duda, que acaba brilhando pelo simples fato de não ter sido ofuscado pela atuação de João Miguel, coisa para poucos atores, ainda mais tão jovens. Duda é todo sorrisos e brincadeiras, mas esconde, em si, tanto ressentimento, tanta mágoa quanto a de João. E ele tem tanto motivo quanto.

“À Beira do Caminho”, afinal, está longe de ser o road movie definitivo. Ou mesmo o melhor road movie brasileiro de todos os tempos. Mas sua delicadeza, boas atuações e beleza estética acabam fazendo mais do que valer a sessão.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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