“A Dama Dourada” evita a complexidade

Há uma série de estilos narrativos mais ou menos consagrados que se entrecruzam em “A Dama Dourada”. É um filme de guerra sob a ótica judia – um filme de holocausto, pois –, um filme sobre conflito de gerações e um filme de tribunal. Tudo temperado com aquela irresistível camada de veracidade que só o “baseado em fatos reais” pode trazer. O resultado é charmoso dentro do limite em que esse tipo de produção se sustenta, o que envolve a média do carisma de seus atores e a mão do diretor para dar ritmo e emocionar quando a trama pede.

A trama, situada no final dos anos 90 – como os celulares usados não cansam de nos lembrar –, acompanha Maria Altmann (Helen Mirren), uma senhora judia que acaba de perder sua irmã. Ela descobre que o retrato de sua tia, pintado por ninguém menos do que Gustav Klimt – a Dama Dourada, do título –, roubado por oficiais nazistas, pode lhe ser restituído como patrimônio familiar. É aí que entra em cena Randy Schoenberg (Ryan Reynolds), um jovem advogado, de família austríaca, sem nenhuma experiência em restituição internacional, mas que, aos poucos, se sente compelido pelo caso e pela mais ou menos simpática senhora construída por Mirren.

É aí que a salada de subgêneros começa a mostrar suas fragilidades. O que significa que algumas partes funcionam melhor do que outras. O passado de Maria, por exemplo, mesmo que não acrescente nada novo ao universo das narrativas de perseguição aos judeus, tem um tom dramático bastante preciso. Especialmente quando entra em cena a talentosa e ainda relativamente desconhecida Tatiana Maslany, como uma recém-casada Maria. Parte do trunfo está tanto na reconstituição histórica quanto nas belas transições entre os períodos de tempo, frutos da mão boa de Simon Curtis, o diretor.

O mesmo, por outro lado, não se pode dizer sobre o conflito de gerações que se transforma em aprendizado mútuo entre as personagens de Mirren e Reynolds. Eles se estranham e se entendem vezes demais ao longo do filme para que nós consigamos nos engajar em seu relacionamento. O movimento pendular ainda contamina outras relações, como a de Randy e sua esposa Pam (Katie Holmes) ou dele com o jornalista austríaco Hubertus Czernin (Daniel Brühl, competente como sempre).

Toda a superficialidade com que os diferentes aspectos do filme são tratados tem um propósito claro: o de evitar o mergulho no espinhoso debate da posse da arte. Os elementos da discussão estão no filme. As obras que pertenciam à família de Maria foram roubadas e depois se tornaram parte do patrimônio do Museu Nacional austríaco. Mas, afinal, quem é dono das obras? Uma obra-prima de um pintor austríaco deveria ficar pendurada em uma galeria americana? O museu deve ser punido pelos crimes de omissão de meio século atrás?

O “baseado em fatos reais” é usado como escudo para eximir o filme de tomar um partido. Como é a história de Maria, ela é a heroína e injustiçada que deve, ao final, encontrar recompensa pelo seu sofrimento e de seus familiares. Por isso, os funcionários do museu, que buscam defender os interesses da instituição onde trabalham, são retratados como cínicos, egoístas e prepotentes. No fim, isso apenas quer dizer que o cinismo é da produção, que aproveita a estrutura realista para fingir imparcialidade. O principal afetado é o próprio filme, “A Dama Dourada”, que deixa de ser um grande trabalho para mergulhar em uma mediocridade confortável.

Publicada originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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