“A Incrível História de Adaline”

O cinema é a arte de manipular o tempo. Por isso, um filme como “A Incrível História de Adaline”, que faz uma reflexão (superficial, vá lá) sobre a passagem do tempo, se torna mais interessante ao reconhecer isso e incluir uma série de pequenas referências metalinguísticas que acabam chamando a atenção de cinéfilos mais atentos. O que começa como uma comédia dramática leve, com toques de fantasia, se torna uma pequena pérola, ainda que não resista a um final exageradamente piegas, algo considerado um problema pelo mesmo tipo de público que se deleita com a autoconsciência.

Como o título nacional entrega, o filme conta a história de Adaline, vivida por Blake Lively. A parte incrível começa quando, depois de um acidente, seu corpo simplesmente para de envelhecer. O que parece uma bênção logo se torna uma maldição, com ela precisando trocar de identidade de tempos em tempos para não se tornar uma cobaia em um experimento, ou, pior, quando seus entes queridos começam a envelhecer e morrer. Todo o ponto da primeira metade do filme é mostrar como sua vida é vazia por conta de sua condição.

Aí entra em cena o charmoso Ellis, interpretado por Michiel Huisman, que fica completamente apaixonado por Adaline. Prestes a mudar de identidade novamente, ela tenta evitar contato a qualquer custo com outras pessoas. O fato de não conseguir resistir dá o tom dramático dali em diante, algo que só piora com algumas surpresas guardadas pelo roteiro.

A narração em off, que ajuda a dar o tom de fábula, avisa logo no começo do filme que este é o primeiro e último capítulo da história de Adaline, o que não é exatamente verdade. O filme é todo costurado por flashbacks da vida dela que nos ajudam a construir sua personalidade. No primeiro deles, que implica no primeiro e maior mergulho metalinguístico, ela está assistindo a uma projeção sobre os principais fatos do século, quando começa a lembrar dos eventos que a levaram até ali.

Os flashbacks são, também, os momentos mais interessantes do ponto de vista cinematográfico, com transições tão simples quanto elegantes entre as linhas temporais. Ter vivido tantos anos em uma cidade como São Francisco, nos Estados Unidos, faz com que cada esquina guarde uma memória. Assim, basta um enquadramento e um olhar melancólico de Lively para sermos transportados para outro tempo. O resultado é delicado e eficiente.

Blake é um dos trunfos do filme, entregando uma atuação com qualidade inédita em sua carreira. Nem Oliver Stone, em “Selvagens”, arrancou dela o que Lee Toland Krieger conseguiu. Sua Adeline sente o peso da idade em sua alma, ainda que seus ossos não sintam. Algo entre o tédio e a melancolia que se assentam muito bem à personagem, além de oferecer um contraste realmente interessante quando ela interage com Ellis. Ele desperta nela uma luz que ela mesma já não sabia que poderia emitir. Isso só funciona por conta da química entre os dois atores, bem eficiente.

Por conta de todas essas qualidades, o final melodramático demais soa tão criminoso, enterrando com respostas fáceis o que foi construído de forma tão bonita. Essa é a diferença entre um pequeno novo clássico contemporâneo, como foi “Questão de Tempo” no ano passado, e um filme que te faz sentir bem mas é esquecido minutos depois.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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