“A Menina que Roubava Livros” reconta no cinema a emocionante história do livro

A Menina que Roubava Livros

Parte da função do cinema – da arte, vá lá – envolve revisitar e reapresentar a história. Dentro desse universo específico, a Segunda Guerra Mundial sempre foi fonte de belos trabalhos. Tanto na seara do filme de guerra, quanto de dramas. Especialmente o sofrido pelo povo alemão (sejam judeus, ciganos, gays ou não) que não necessariamente compactuava com as imposições do Partido Nazista. “A Menina que Roubava Livros” pode não ser o melhor, nem mais preciso (ainda que esteja muito acima de atrocidades literário-cinematográficas como “O Leitor”), mas cumpre bem essa função por conta da popularidade do livro, que, espera-se, será transferida para a bilheteria.

Assim como no livro, o eu-lírico, o narrador da história, é a Morte. O que é apropriado, considerando o período histórico. Ele (a voz é masculina) se interessa pela pequena Liesel, vivida por Sophie Nélisse, quando vai buscar seu irmão. É através dessa figura macabra que vamos conhecendo a história da menina, a relação com os pais adotivos, seus primeiros passos pelas letras, fonte de vergonha e fascínio, a amizade com Rudy, vivido pelo expressivo Nico Liersch, a repressão do Partido através do exército, o dia a dia da cidade em tempos de bombardeios e, claro, o medo constante que isso gera.

O filme se alterna entre os momentos mágicos de Liesel com seu padrasto Hans, vivido por Geoffrey Rush, aprendendo a ler e a escrever, e a presença constante da morte. Seja a de seu irmão, seja o estado debilitado de Max, o judeu que fica escondido na casa deles, vivido por Ben Schnetzer. E esses momentos se conectam belamente, já que a cultura judia é muito literária, o que faz com que eles, Max, Liesel e Hans, se aproximem mais e mais. Só que essa é a Alemanha Nazista, e abrigar um judeu é quase tão ruim quanto ser um. Tanto o livro quanto o filme extraem daí a tensão narrativa.

O roteiro não é particularmente brilhante, mas acaba funcionando bem. O mesmo vale para a direção, que resvala no burocrático, se salvando por pontos por conta da fotografia bonita. A coisa só funciona de verdade por conta do elenco. Começando pela pequena Sophie, cujos grandes e expressivos olhos tomam a tela à cada enquadramento. E isso não é pouca coisa. Dá até para entender a vontade do diretor, Bryan Percival, de mantê-la mesmo em uma cena em que Liesel está bem mais velha do que a pequena atriz, que, hoje, está em seus 12 anos.

Ainda que Rush seja absolutamente cativante e adorável com o seu Hans, quem impressiona mesmo é Emily Watson no papel de Rosa, a mãe adotiva. Por defender com maestria o que é o papel mais difícil do drama. Veja, Rosa não é uma pessoa má, é alguém que se preocupa em como vai conseguir sobreviver e manter sua família unida no pior momento de sua vida. Daí vem sua personalidade severa. Mas montar isso sem cair no caricato, podendo fazer com que o personagem demonstre carinho, sem parecer dissonante, é um trabalho para os grandes mestres da arte. E Emily o é.

O resultado final é bem agradável. Emocionante até, se você se permitir embarcar. O único desafio para que isso não aconteça é em relação à língua falada. O filme começa em alemão e o título dá a transição dele para o inglês. Daí que pode ser irritante, para os que têm ouvidos mais sensíveis para línguas, ver a insistência de atores britânicos usarem um tosco sotaque germânico. Ou, pior, palavras do alemão. Mesmo que essa seja a estratégia do livro original – o uso de palavras em alemão – fica estranho para o cinema. Mas não chega a tirar o brilho da adaptação.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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