A primeira temporada de “Unbreakable Kimmy Schmidt”

Aquele sentimento incômodo que insiste em nos dizer que nós não somos exatamente adequados para a vida que estamos vivendo no momento é a matéria de que “Unbreakable Kimmy Schimidt” é feito. No centro, claro, está a personagem título, vivida com graça e um tempo de comédia únicos por Ellie Kemper, finalmente tendo um papel à altura de seu talento. Ela é uma das quatro mulheres que foram raptadas pelo reverendo Richard Wayne Gary Wayne (a identidade do ator que o interpreta é revelada só mais ao final da série) e passaram 15 anos dentro de um abrigo vivendo com a certeza de que o apocalipse havia chegado e o mundo queimava com a fúria do Senhor.

A narrativa se desenvolve a partir do momento em que Kimmy decide que não quer mais ser conhecida como uma “mulher toupeira”, ficando em Nova York para viver sua vida como uma pessoa normal. Parte do problema é que não há muitos lugares no mundo em que é possível “ser normal”. Isso se houver algo. Mesmo nesse caso, a Grande Maçã seguramente não será um deles.

Kimmy é uma inadequada por natureza. Todas as suas referências culturais são ou de 15 anos atrás, ou de consumo obsessivo ao longo desses anos, por exemplo (o momento em que ela reencena o final de “Clube dos Cinco” é ótimo, inclusive). Mas como ela é dotada de uma empatia incomum, sua inadequação se reflete fortemente sobre as pessoas com que entra em contato. E quanto mais próximos da personagem central eles são, mais tempo de cena eles possuem e mais temos oportunidades de ver que eles são tão inseguros quanto ela.

O maior exemplo talvez seja Jacqueline Voorhees, a socialite mimada vivida por Jane Krakowski. A personagem mergulhou tão profundamente em sua vida fútil de rica vivendo em Manhattan que as memórias da sua juventude lhe assombram (a natureza dessas memórias é não apenas uma piada ótima, como também uma metáfora para os EUA). Isso vale para todos os outros que aparecem bem ajustados, mas demonstram suas loucuras no instante em que conhecemos um pouco mais sobre eles.

É daí que Tina Fey e Robert Carlock, criadores da série, retiram boa parte da graça inicial. Começando com a falta de noção combinada com o bom humor e a coragem de ferro de Kimmy, mas espalhando para todos os personagens na mesma medida em que vamos conhecendo suas loucuras. Mas logo a série começa a abraçar um humor mais nonsense, com as situações ficando mais e mais surreais, como no momento em que Titus Andromedon, papel de Tituss Burgess, saca uma nota de “menos um” dólar, ou toda a patacoada do julgamento de Richard Wayne Gary Wayne.

“The Unbreakable Kimmy Schmidt” é uma metralhadora de piadas. Cada frase e cada imagem tem potencial cômico. Desde as mais bobas, como Kimmy chamando “Law & Order” de “Law Minhoquinha Order”, até as mais elaboradas como o musical em preto e branco que marca a participação final de Logan Beekman, o ricaço filhinho de papai interpretado por Adam Campbell, passando por referências diretas a “Friends” e “Seinfeld”. Curiosamente, porém, há um senso de elegância, já que nunca se recorre ao histrionismo barato.

Infelizmente, porém, as melhores piadas vêm das falas de Kimmy, justamente onde Ellie tem oportunidade de mostrar todo o seu tempo de comédia e versatilidade. “Infelizmente” uma boa parte se perde na tradução, sendo necessário um ouvido bem treinado no inglês para pegar tudo. Considerando que são 13 episódios de 20 e poucos minutos, esse acaba sendo um bom motivo para assistir tudo novamente.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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