“Amor” mostra um lado mais delicado de Michael Haneke

“Amor” parece a tentativa de Michael Haneke de fazer um filme um pouco mais tranquilo. Isso significa que, ao invés de nos dar um soco na boca e nos arrastar semiconscientes pelo caminho, como em “Violência Gratuita”, “Cache” e “A Fita Branca”, ele apenas nos toma pela mão e nos conduz, um bocado mais suavemente. E, creia-me, a comparação só parece injusta se você não assistiu aos filmes dele.

A história é tão simples quanto delicada. Um casal já velho passa pelo que deve ser a última, e maior, provação de suas vidas. Ela sofre um ataque e, por conta de uma cirurgia mal-sucedida, perde os movimentos de um dos lados de seu corpo, condição que vai se agravando ao longo do tempo. O que os obriga a reorganizar suas vidas. Ele precisa aprender a estar presente quando ela precisa, o que também não é fácil para o homem, também já em idade avançada.

O filme se desenvolve em todos esses lugares cinzentos. Ela precisa de ajuda, mas sabe o quanto custa ao marido dar toda essa assessoria minuto a minuto. Ao mesmo tempo, o marido insiste em reafirmar o quão pouco lhe custa tudo isso, mesmo ficando claro em seu rosto, ou no tempo em que leva para reagir, que também não é nada fácil para ele. Ainda assim, ele se recusa a dar o braço a torcer, já que é sua função, como marido.

Haneke não deixa nada disso claro. Ao contrário, nos deixa algumas pistas sutis no meio do caminho, pensando ser nosso dever decifrá-las (por isso, não conte com um diálogo catártico, no clímax do filme, revisitando e explicando toda a trama, ao mesmo tempo em que alivia a tensão acumulada da narrativa). Já temos um exemplo dessas pistas no logo no começo do filme, quando ele se dá conta que o saleiro está vazio. Sua reação é anunciar, apenas. Como a mulher não reage, depois de alguns segundos, ele acaba indo encher o saleiro, mas fica claro o quanto ele está acostumado a ser assessorado por ela, não o contrário. Por isso, quando sua mulher não apenas deixa de atendê-lo, mas começa a lhe demandar trabalho e atenção, ele sofre tanto. Ainda que resignado.

Nem tudo é sofrimento, porém. No esforço para transportar a mulher da cama para a cadeira de rodas e desta para outros assentos, surge uma intimidade, um toque físico, que parecia já não existir àquela altura de suas vidas. Não é por acaso que, em meio a toda aquela tensão, os dois ainda pareçam valsar quando ele a conduz através do banheiro em direção à cadeira de rodas. Há, também, um claro prazer em ficarem dividindo o mesmo espaço, lendo seus respectivos jornais, livros ou revistas.

Muito do mérito do filme envolve a atuação de Emmanuelle Riva, no papel da mulher doente, ainda que Jean-Louis Trintignant não fique muito atrás. Mas considere que para um ator jovem é exigido um esforço homérico ao demonstrar paralisia de um lado do corpo. É um trabalho de corpo que exige muito do ator. Imagine para uma senhora francesa de 85 anos. Não é à toa que ela está como uma forte concorrente ao Oscar de Melhor Atriz. Sua performance é coisa para poucos.

Publicado originalmente no Portal POP.

Sobre o autor Veja todos os posts

Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *