Animação brasileira busca contar a história dos oprimidos

“Uma História de Amor e Fúria” é uma animação. Brasileira. Às vésperas da copa. Com enredo tentando fazer um apanhado da história do país. Partindo de uma trama de amor. Tem toda cara de cilada e de propaganda ufanista disfarçada no mesmo estilo “o melhor do Brasil é o brasileiro”, com o agravante de ser irrecuperavelmente brega. Para nossa sorte, não é o caso. Mérito maior de Luís Bolognesi, diretor que estreia na função, mas já um roterista escolado, tendo feito o ótimo “Bicho de Sete Cabeças”.

O filme passa por quatro momentos bem conturbados da história brasileira. Ou melhor, três, já que o último segmento é no futuro. O foco é a história de amor entre os quatro diferentes personagens de Selton Melo e as quatro Janaínas, interpretadas por Camila Pitanga, e como o horror do mundo sempre se interpõe entre os dois. No primeiro, o grande massacre indígena, na época da colonização. O segundo é a balaiada, revolta negra antes da Lei Áurea acontecida no Maranhão. No terceiro eles são estudantes durante a Ditadura Militar. E, no quarto, acompanhamos uma distopia em que um grupo rebelde tenta fazer com que a água, bem mais precioso da Terra, seja liberada para todos.

É uma animação. Coisa rara no Brasil. A decisão é a mais acertada para contar a história, considerando que os quatro períodos históricos seriam bem difíceis e caros de serem retratados. Os cenários dos quatro períodos são bem bonitos, assim como o desenho dos personagens. Mas não é perfeito. Há claras limitações técnicas, especialmente na movimentação. Para mais ou menos resolver isso, a equipe de animadores usa uma técnica bem espertinha. Eles movem bastante a câmera, alterando enquadramentos, dando a ilusão de movimento dos elementos em cena. O resultado é bem melhor do que o esperado.

Bolognesi abraça o folclore indígena para conduzir a narrativa. O personagem de Melo, em tese, nunca deixa de ser aquele guerreiro da tribo Tupinambá do começo do filme. E o mal que ele enfrenta, que incita os portugueses contra os índios, ou os imperialistas contra os negros, ou os militares contra os estudantes, ou os milicianos contra os rebeldes, é um espírito malígno. Mas essa entidade não possui corpo, ou forma física. Ela se manifesta através dos interesses escusos de grupos dominantes. É como se fosse a cobiça desenfreada que saqueia o Brasil desde que Pedro Álvares Cabral chegou aqui pela primeira vez.

É quando o discurso do filme periga se esvaziar, ao colocar a culpa de nossos problemas em um espírito. Mas quando vemos que são homens, em geral escondidos atrás de instituições de poder, quem sempre agem contra o povo, que segue se rebelando, não importa o tamanho da paulada, vemos que a coisa é mais séria um pouco. E tudo sem maniqueímos, já que até mesmo os índios, que nos acostumamos a ver como `bons selvagens`, aparecem mostrando potencial para a vilania.

Se dá para acusar “Uma História de Amor e Fúria” de alguma coisa, é de ingênuo em relação ao objetivo do espírito maligno, que não é de apenas destruir o povo, legítimo dono do Brasil. Mas de separar Janaína de seu amor. E só quando o nosso herói tiver o coração cheio de amor é que ele reunirá a coragem para enfrentar seu algoz e voar sem precisar de asas. Mas há algumas ingenuidades que são preferíveis a alguns fatos duros da vida.

Publicado originalmente no Portal POP.

Sobre o autor Veja todos os posts

Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *