“As Aventuras de Pi” discute religiosidade com espetáculo visual

“As Aventuras de Pi” discute religiosidade com espetáculo visual

“Essa história vai fazer você acreditar em Deus”, repete o escritor que está atrás de uma história, quando Pi, já adulto e vivendo no Canadá, lhe pergunta por que ele quer saber sobre seu acidente trágico. Foi essa frase, dita por um tio de Pi, que motivou a ida desse escritor até o Canadá para ouvir seu relato. E que relato. Porque, ainda que você não termine o filme acreditando em Deus, não é possível negar a força das imagens e da construção narrativa que Ang Lee faz em “As Aventuras de Pi”. E sim, há uma profunda e bela reflexão sobre religiosidade ao longo de toda a narrativa.

O que Pi conta ao jornalista é a história de sua vida. Desde como ganhou o seu curioso nome, Piscine, até seu primeiro amor, passando por suas descobertas religiosas. Mas, principalmente, os motivos que levaram seu pai a montar um zoológico e, depois, mudá-lo da Índia para o Canadá. E como já em um dos primeiros dias uma tempestade afunda o grande cargueiro, deixando Pi sozinho em um bote. Bem, sozinho com uma serpente, uma hiena, um orangotango, uma zebra e um tigre de bengala. Este último chamado Richard Parker.

À primeira vista, porém, o que chama atenção, já nos trailers, é o espetáculo visual. Desde o início da popularização do 3D, foram poucas as produções que usaram a tecnologia como mais que uma perfumaria. Ang Lee não apenas usa o 3D para deixar o seu filme mais bonito (o que já faz com um louvor ímpar), ele também usa para, aumentando a sensação de profundidade, transferir parte do desespero que a solidão de Pi deve ser. O mar é, ao mesmo tempo, infinitamente mais bonito e aterrorizante.

A direção de arte, porém, está longe de ser a única responsável pelo impacto do filme. O jovem estreante Suraj Sharma constrói um personagem perfeitamente crível e possível, mesmo dentro de sua narrativa que fica o tempo todo beirando o fantástico. Suas pequenas crises de fé, suas expressões de medo do tigre ou da hiena ou mesmo de gratidão por um milagre repentino são de uma honestidade rara no cinema. Note-se, também, a entrega dele em perder peso para o filme. Afinal, Pi passa bastante tempo em alto mar, se alimentando mal e bebendo pouca água.

Mais um ponto alto, nesse sentido, está no roteiro. Mesmo em seus momentos mais fantásticos, toda a trajetória de Pi parece realística o suficiente para que não fiquemos, a todo momento, questionando o filme. Mesmo que ele dependa de muita sorte. Ou milagres, como o próprio Pi talvez prefira. Porque, e essa é outra das qualidades deste filme, por trás de todas as imagens bonitas e de toda a história de sobrevivência está a tal da reflexão, bem profunda e nada careta, sobre a fé. E manter todos esses discursos coesos em um filme tão grande é uma coisa bem impressionante.

Ao fim, para desespero de alguns e alívio de outros, Lee nos toma pela mão e explica toda a metáfora do filme. Toda a questão de condição humana diante de momentos de desespero e, especialmente, do processo mental que usamos para nos protegermos de nós mesmos. É desesperador porque é como se Lee fosse aquele tio chato que insiste em explicar a piada no instante seguinte em que ela foi contada. Mas há que se entender o lado do diretor: ele tem profunda fé na força da mensagem. E na necessidade de que ela seja contada.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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