“As Sessões” lida com tabus de forma suave e divertida

Parece razoável que um homem não se sinta confortável com o fato de chegar aos 40 anos ainda virgem. No cinema, isso poderia servir apenas como mote de uma comédia escrachada, não fossem por dois fatos: este homem, Mark O`Brien, contraiu pólio na infância e é paralisado do pescoço para baixo; e ele existiu realmente.

Mark O`Brien foi um poeta e escritor que acabou contratado por uma revista para escrever um artigo sobre a sexualidade de pessoas portadoras de necessidades especiais. Ao mesmo tempo, ele começa a atentar para sua própria sexualidade. Ele busca ajuda espiritual, na figura do padre Brendan, interpretado por William H. Macy, que meio que o aconselha a encontrar auxílio profissional. É aí que entra em cena a terapeuta sexual Cheryl, interpretada por Helen Hunt, que partirá de exercícios de conhecimento corporal para chegar a uma relação sexual completa. Mas ela não é uma prostituta, que fique bem claro.

O diretor, Ben Lewin, não esconde o seu pé nos fatos, sabendo que isso potencializa a força de sua história. O filme já abre com uma reportagem sobre os anos de Mark na universidade, com direito a imagens granuladas vindas direto dos televisores dos anos 70. Ao mesmo tempo, reforça que grande parte do roteiro foi baseada na tal reportagem escrita por Mark. Tudo isso para que não fiquem dúvidas: mesmo as partes mais emocionantes, bizarras ou engraçadas são baseadas em fatos reais.

Muito da simpatia pela história vem do próprio Mark, figura real, repassada por John Hawkes, ator. É muito importante que não sintamos pena dele, pelo contrário. E isso já começa pelo texto, cheio de piadas auto-depreciativas, e perpassa pelas expressões de Hawkes, que depende apenas de seu rosto para isso. Pode não ser a interpretação mais incrível de alguém com o corpo paralisado (“Mar Aberto” e “O Escafandro e a Borboleta” seguem imbatíveis), mas, sem dúvida, é a mais simpática.

No campo oposto do espectro está Cheryl. Se Mark tem o corpo paralisado, por passar a maior parte do tempo em sua própria mente, ele acaba lidando muito melhor com seus sentimentos do que ela, incluindo as partes mais conflituosas. O contraste entre a paralisia de Mark e a tranquilidade de Cheryl com seu próprio corpo, em relação às suas inseguranças emocionais, cria todo um campo de significados para o filme. O mesmo acontece com o padre Brendan, que é um homem que escolheu o celibato, mesmo tendo um corpo perfeitamente funcional.

Por isso, algumas das melhores cenas envolvem os diálogos de Mark com o padre Brendan, ao contrário do que se espera – que as melhores seriam as das sessões, propriamente ditas. Não é gratuito que Mark apareça conversando com o padre em um flashfoward (quando vemos uma cena do futuro), dividindo as sessões ao meio. O desconforto do padre, mesclado com sua vontade de ajudar Mark, são, de longe, o que há de mais interessante no filme. E é um incrível ato de desprendimento e vocação de fé ele não apenas incentivar, mas ouvir as descrições de Mark sobre as sessões com Cheryl.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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