Paul Feig riu por último ao fazer com que a maior piada de Caça-Fantasmas (Ghostbusters, 2016) seja o ódio descerebrado criado pelo simples fato do filme ser uma refilmagem de um cânone nerd com mulheres. É um movimento brilhante por dois aspectos: a certeza de que haveria revolta suficiente para que as piadas façam sentido e a tranquilidade de poder tirar sarro de quem já disse que não iria ver o filme, logo impactando pouco nas bilheterias. Partindo desta liberdade o diretor, junto da co-roteirista Katie Dippold, puderam ir além da nostalgia, criando uma obra sobre 2016 para 2016.
A auto-consciência é apenas parte da fonte do humor de Caça-Fantasmas. Os comentários de internet e a crítica midiática servem tanto como referência à reação sobre o próprio filme quanto para desacreditar as personagens centrais. É uma forma leve e engraçada de mostrar como a cultura do machismo segue entranhada nos discursos sociais. Feig opera em terreno conhecido ao trabalhar a inversão de gênero, como já havia feito com a comédia escatológica em Missão Madrinha de Casamento (Bridesmaids, 2011), o filme de dupla policial em As Bem Armadas (The Heat, 2013) e com o filme de espionagem com A Espiã Que Sabia de Menos (Spy, 2015).
Em Caça-Fantasmas, porém, a inversão é radical. Não apenas temos mulheres cientistas – repetidamente desrespeitadas em seus campos, invalidado assim como também é o feminismo, uma abordagem científica antes de discurso afirmativo –, como elas objetificam um homem, contratado pela sua beleza e não inteligência, o que funciona muito bem por um insuspeito tempo de comédia de Chris Hemsworth. Ao mesmo tempo temos um vilão cuja motivação é ter sofrido bullying ao longo de sua vida, em um nível ridículo perto do que as protagonistas passam. A cena em que ele se justifica ressalta o quão patética é sua revolta, implicando que um homem que sofre apenas uma parte do que mulheres sofrem normalmente se torna psicótico automaticamente.
Os dois Os Caça-Fantasmas (Ghostbusters, 1984 e 1989) originais eram sobre cientistas que se tornavam trabalhadores braçais. A ciência ficava em segundo plano dando lugar a um dia a dia mais próximo de um encanador ou mecânico, refletindo em grande parte o que foi a Era Reagan americana, de valorização do trabalhador médio dos EUA. O ápice deste discurso está na cena em que o Dr. Raymond Stantz (Dan Aykroyd) ensina o caça-fantasmas novato, Winston Zeddmore (Ernie Hudson), com duas frases a operar o receptáculo onde os espectros são estocados.
Este Caça-Fantasmas, porém, é um dos últimos produtos culturais do fim da Era Obama. Ao invés de fazer mera elegia do trabalho braçal, em detrimento da produção intelectual, a nova versão busca uma conciliação. O dia a dia do trabalhador se define e justifica na medida em que há pensamento científico que o legitime e viabilize. As personagens se reafirmam o tempo todo enquanto pesquisadoras. Provar que fantasmas existem e são uma ameaça real, para elas, envolve tanto a legitimação do discurso científico quanto a criação de uma operação que atenda as demandas da população.
No centro da colisão entre o discurso inclusivo e a fúria da internet está Patty Tolan (Leslie Jones), uma funcionária do metro de Nova York que se voluntaria para se juntar às outras três. A comoção foi imediata. As três brancas, Erin Gilbert, Abby Yates e Jillian Holtzmann (Kristen Wiig, Melissa McCarthy e Kate McKinnon), são pesquisadoras enquanto a única negra faz um trabalho sem grandes exigências intelectuais. Parece fazer pouco sentido pelo discurso de Caça-Fantasmas em um mundo pós Neil deGrasse Tyson. Mas há um discurso interessante permeando estas relações.
A questão é que Patty não é uma simples caixa. Seu conhecimento sobre a geografia e história de Nova York é literalmente enciclopédico, logo, fundamental para caçar fantasmas. O que faz com que logo seja vista como uma igual pelas colegas e vice-versa. É o reconhecimento de que o conhecimento “do mundo” precisa se reconciliar o tempo todo com o conhecimento “científico” para que ambos possam se validar. Ao mesmo tempo ela logo vê no “empreendimento” das Caça-Fantasmas um valor que quase ninguém via, apostando nele. Com sorte, na continuação, já indicada na cena extra pós-créditos, ela já esteja com alguma credencial acadêmica.
Estou muito afim de ver, adoro os dos primeiros.
Vai com fé.
Estou muito afim de ver, adoro os dos primeiros.
Ignóbil
Muito fera, recomendo demais.