Carol

Carol

O trunfo de Ang Lee em O Segredo de Brokeback Mountain (Brokeback Mountain, 2005) foi retratar um romance homossexual dentro de boa parte dos parâmeros nos quais uma história de amor proibido hétero seria filmada. Seu pecado foi transformar o melodrama em tragédia, matando um dos dois personagens centrais. O “desvio” é punido e a ordem restabelecida. Carol (2015), de Todd Haynes, parte da mesma premissa, mas avança ao contar uma história cujo drama central está na problematização do estigma social do relacionamento homoafetivo.

Carol começa como o mais convencional dos melodramas: duas pessoas de classes sociais distintas se apaixonam e precisam lutar por esse amor. A socialite Carol (Cate Blanchett), em um casamento em fase de dissolução com Harge (Kyle Chandler), se envolve com a jovem vendedora Therese (Rooney Mara). O roteiro de Phyllis Nagy, baseado no livro de Patricia Highsmith (mais conhecida pelos thrillers que deram origem a filmes como Pacto Sinistro (Strangers on a Train, 1951), clássico de Alfred Hitchcock, ou os protagonizados pelo famigerado Tom Ripley), trata a história com certa naturalidade, até que começa a pesar a ambientação nos conservadores anos 50.

Este não é, porém, um tradicional drama de tribunal com uma mulher que luta pela sua filha mudando a forma como a sociedade encara intimidade e vida privada. Haynes filma um caso de amor sustentado, em primeiro lugar, pela delicada atuação das protagonistas e, em segundo, pela sua própria capacidade única de usar a câmera. A recorrência do close no rosto de Therese enquanto ela está em um carro, através do vidro, é uma das formas que o diretor encontra para ressaltar, por exemplo, o isolamento delas do resto do mundo.

Chamam menos atenção, por outro lado, os sutis enquadramentos dentro de enquadramentos que usam paredes e portas para isolar as duas do resto da composição. Mesmo em festas, juntas de outras pessoas, elas serão destacadas do grupo pelo posicionamento da câmera. A “vida normal” é uma redoma que não lhes é permitida experienciar plenamente em momento algum – a menos que aceitem viver sob a ordem estabelecida, como acontece na triste cena do jantar de Carol, sob chantagem, na casa da família de seu ex-marido.

Além de ser o único momento em que Carol aparece integrada à composição de cena, este também é o único momento em que a vemos ser servida, aceitando o papel decorativo da mulher nas altas classes. Tanto ela quanto Therese são retratadas como mulheres independentes. Dirigem, viajam e moram sozinhas, fazem tarefas domésticas e trabalham: atitudes que o cinema dos anos 50 não colocaria no rol de habilidades de personagens femininas. Esta é, inclusive, uma reabilitação consciente de Haynes, que faz questão de caracterizar Blanchet como Marlene Dietrich e Mara como Audrey Hepburn, duas musas do cinema clássico.

A atitude progressista é quebrada no momento em que Carol precisa escolher entre sua filha e o amor de Therese, entre ter a filha sempre em seus braços e negar sua própria natureza ou ser livre para exercer sua sexualidade como bem entender. É o momento em que o filme dá o passo a frente, quando o conservadorismo das instituições, representado aqui pela disputa legal pela guarda da filha, fica no caminho do que significa uma vida plena. Há sempre uma maneira da sociedade punir aqueles que considera desviantes e é difícil não sentir o amargor e a desesperança dela. Sua redenção, porém, não está na morte ou no assujeitamento, mas sim na possibilidade de exercer sua própria humanidade.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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