Conversamos com o diretor e roteirista Kleber Mendonça Filho

“O Som ao Redor” ultrapassou 100 mil espectadores em salas de cinema. Na semana passada o longa estreou no iTunes, podendo ser visto por praticamente qualquer pessoa que tenha acesso à internet (e um cartão de crédito). Com isso, chegou ao quinto lugar, entre os filmes mais vistos, disputando com “007 – Operação Skyfall”, “As Aventuras de Pi”, “Amanhecer – Parte 2″ e “Argo”. Tudo bem impressionante se você considerar o tom intimista do trabalho.

A trama se passa na rua em que Kleber Mendonça Filho, diretor e roteirista, cresceu, no Recife, em Pernanbuco. Lá, entre grades, prédios, asfalto, crianças jogando bola, carros passando e gente gritando, dá para se ter uma ideia do, digamos, conflito de classes que há na cidade. E se da rua compreendemos a cidade, da cidade compreendemos o país. Talvez.

O filme vem carregado do olhar particular de Mendonça sobre o espaço. Conversei com ele sobre isso, e outras coisas, quando esteve em Curitiba para ministrar uma oficina de roteiro no projeto Ficção Viva. Fiquei curioso se não dava uma certa vergonha ter algo tão seu, tão pessoal, sendo visto e discutido por tanta gente. “Quando eu estava em Rotherdam, em uma sala de mil lugares, exibindo o filme pela primeira vez, e estava todo mundo olhando minha cozinha. Foi um pouco estranho.”

O diretor vai ainda mais longe para justificar o tom personalista. “Quando você lembra dos grande clássicos da literatura e da obra de Tarkovskiy, Truffaut, Fellini, é absolutamente pessoal, você entende que é assim desde a idade da pedra, e não há nenhum problema nisso. Os humanos, eles têm os mesmo dramas em qualquer cultura. Porque se você é humano você está em conflito o tempo todo. A diferença é se você é um artista e você consegue transformar isso em uma representação artística da vida. Eu não tenho problema em transformar o tom pessoal em cinema, porque faz parte, é natural isso.”

“O Som ao Redor” possui uma particularidade muito interessante. Ele não se apega a uma ótica funcionalista, no sentido de que toda cena, como gostam muitos roteiristas e críticos, está ali para, primeiro, fazer a narrativa andar. “Há mil maneiras de se fazer um filme. Mas essa é a maneira que eu achei de fazer o meu filme. E tem cenas que aparentemente não levam a canto nenhum, mas elas agregam informação. Agregam sentimento. E é isso que eu tento fazer.”

Kleber Mendonça Filho ostenta, na conversa, um certo orgulho de ter pontos de vista, opiniões contundentes, coisa que deve ter sido afiada nos anos em que trabalhou como crítico de cinema. “Eu era pago para ver filmes, estava trabalhando com cinema, numa época em que o cinema tava meio morto no Recife”, lembra. E vai além: “Eu acho que em termos gerais as pessoas têm uma certa dificuldade de tomar partido. Elas querem fazer algo que não arranhe nada, que não machuque nada `eu quero me dar bem com todo mundo.` É impossível, na vida, você se dar bem com todo mundo.”

O que nos leva à questão seguinte, que é como ele, ex-crítico e agora realizador, lida com a crítica ao seu trabalho: “Na verdade eu descobri, quando era crítico, que os cineastas mais elegantes em relação à crítica, como eu estou tentando ser agora, são os mais bem tratados pela crítica. E os mais vulgares e rancorosos são os mais mal tratados pela crítica.” Mas ainda não chegou ao ponto de críticos influenciarem em seu trabalho. “Não tem nenhum lado importante do filme que alguém apontou como negativo e que eu digo `é, ele está certo`. Não. Eu sou capaz de defender todas as cenas do filme. Não é que eu esteja certo. Mas é que eu estou certo no que eu fiz.”

Depois de encerrada a entrevista, feita na calçada em frente à Cinemateca de Curitiba enquanto Mendonça terminava seu cigarro, ele me perguntou se eu tinha visto o “Som ao Redor”. Respondi que sim, no dia anterior, em uma exibição ali mesmo. Ele deu um meio sorriso como quem pensa, e comemora, “100 mil e um”.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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