Coppola reafirma a força das histórias em “Virgínia”

Virginia

Francis Ford Coppola resolveu brincar de metalinguagem e o resultado é “Twixt” – batizado no Brasil como “Virgínia”. E quando alguém como Coppola abraça a metalinguagem, é preciso ter olhos e ouvidos atentos, porque coisas bastante sérias e importantes sobre a arte de contar uma história irão aparecer.

Logicamente, acompanhamos um escritor, vivido por Val Kilmer. A carreira antes promissora como autor de histórias de bruxas está em baixa. Ele está em uma pequena cidade do interior dos EUA para uma sessão de autógrafos. É quando o xerife, interpretado por Bruce Dern, fã de seu trabalho, aparece para lhe contar um caso macabro que aconteceu ali, lhe oferecendo a chance de alcançar novamente o sucesso.

Superficialmente, “Twixt” é mais um thriller de horror, com um mistério a ser desenvolvido – e é brilhante como o xerife insiste e milita pelos clichês da história. Mas há mais a se descobrir à medida em que procuramos. Quando dorme o escritor se afunda em sonhos e conversas com Edgar Allan Poe, vivido por Ben Chaplin, que faz as vezes de Virgílio, conduzindo ele pela mistura de sentimentos e fatos da história. História esta que nunca sabemos de quem é, de verdade.

A chave para compreender o filme, então, está no primeiro diálogo entre o nosso escritor e Poe. Esta não é apenas a melhor cena do longa, dando o tom de sonho e delírio que Coppola alcança ao nos mergulhar em um preto e branco expressionista, permitindo a marca forte do vermelho-sangue aqui e ali. É também a cena em que os dois literatos discutem a forma e a natureza da história que está sendo contada. E mais: também se discute, aprendemos ao final do filme, um bocado sobre o que não está sendo contado.

Não apenas isso. Existem uma série de elementos que ajudam a dar força literária. Alguns em sentido simbólico, como a torre de sete faces com sete relógios dessincronizados – compreendida por Poe como tendo a função temático-narrativa de um refrão. Funciona como símbolo do tempo narrativo. “É meia-noite o tempo todo”, diz uma personagem. Ou mesmo os adolescentes do outro lado do lago, junto com a trama de vampirismo, que possuem sempre forte conotação de perda da inocência e relação com sexo nas narrativas.

O próprio título original, “Twixt”, reafirma isso. A palavra significa “entre”, “no meio”, reforçando o fato de que o escritor está preso entre o mundo `real` e o mundo de sonho, literário. Mas mais importante do que isso é perceber que ela já não é mais usada no inglês moderno, sendo empregada, muito mais, como exercício de estilo em poesias.

O resultado final é um testemunho de fé de Coppola na força redentora da arte de contar histórias. Por que no fundo todo escritor está sempre trabalhando na mesma história. E essa história, invariavelmente, é a própria história do autor.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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