De Niro evita a paródia a si mesmo em “A Família”

Não é a primeira, nem será a última, vez que veremos um filme que irá se prestar a homenagear os clássicos de máfia – filmes que, de “Scarface”, de 1932, à “Os Infratores”, do ano passado, habitam os cinemas. Mas poucas vezes isso foi feito com tanta graça quanto em “A Família”. E pode colocar até mesmo “A Máfia no Divã”, interpretada pelo mesmo Robert De Niro, que, desde “Cassino”, é capaz de, mesmo dormindo, construir um mafioso convincente.

Aqui acompanhamos a família Manzoni (agora Blake), que se muda de cidade em cidade na Europa como parte de um programa de proteção às testemunhas. Giovanni, papel de De Niro, delatou toda a sua “família” para poder escapar com a sua família. O que move o roteiro, e que é responsável por toda a graça, é o fato de que eles têm uma certa dificuldade de largar seus antigos hábitos, o que faz com que chamem atenção indesejada, levando ao agente responsável pelo caso, vivido por Tommy Lee Jones, a os colocar em uma nova cidade, em um ciclo eterno.

As tentativas (frustradas) da família em se assentar na pequena cidade da Normandia são responsáveis pelo melhor do filme. A matriarca interpretada por Michelle Pfeiffer que não resiste a explodir um mercado onde é destratada, o filho mais novo, papel de John D`Leo, que monta um esquema de extorsão para se proteger do bullying, ou a filha mais velha, vivida por Dianna Agron, que é tão violenta quanto o pai, com o agravante de usar sua aparência como forma de poder.

Mas quem brilha mesmo é De Niro. Ainda que seu trabalho esteja longe de se comparar com um Travis Bickle ou um James Conway de seu passado glorioso, há espaço para que ele construa esse pai de família amoroso e destrutivo. Sua crise de consciência, que é espertamente mais voltado para seu legado do que para arrependimentos do passado, rende cenas que, dependendo do estado de espírito de quem está vendo, chegam a ser hilárias.

Todas essas qualidades pertencem aos primeiros dois terços do filme. Que são temperadas com a mão boa que a Luc Besson, o diretor, tem para cenas de ação. Na verdade, marcas de clássicos seus, como “O Profissional”, reaparecem por aqui: a mistura agridoce de drama, ação e comédia.

Por isso, é uma pena que algumas coisas sejam tão jogadas. Todas as subtramas da família são, subitamente, jogadas para escanteio quando a ameaça que vinha se desenhando se torna concreta – e ela se concretiza por um motivo que é tão bobo e aleatório que fica difícil de engolir, por melhor que seja a sequência usada para demonstrar. O roteiro preguiçoso de Besson e Michael Caleo ignora uma das máximas clássicas do teatro: se uma arma aparece na parede, no primeiro ato, ela deverá ser disparada no terceiro.

Há várias armas e a maioria delas é descartada sem maiores constrangimentos, o que dá uma sensação de vazio. A coisa piora por conta do clímax. Quando a família é, finalmente, alcançada pelo seu passado, de quem vinha fugindo. Todas as qualidades do cinema de Besson vão para o ralo em uma sequência pouco inspirada. O resultado é uma saudade do que foi visto na primeira metade já quando se sai do cinema.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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