Deadpool

Deadpool

Talvez este início de 2016, impregnado de expectativa com os vários grandes lançamentos de adaptações dos quadrinhos, tivesse sido o momento ideal para a Warner lançar Watchmen: O Filme (Watchmen, 2007), adaptação da revolucionária novela gráfica de Alan Moore. A relação metalinguística que a versão impressa estabeleceu com a lógica das histórias de heróis não se traduziu bem em um contexto que ainda estava para ver a explosão de inúmeros filmes baseados na nona arte – o primeiro Homem de Ferro (Iron Man), que inaugura a sequência de sucessos da Marvel, só estrearia no ano seguinte. Agora a coisa mudou um pouco. O cinema se alimenta de adultos hipertrofiados usando couro apertado e surrando caras maus. É deste contexto cultural que Deadpool (2016) se aproveita. E se ele não é o herói que precisamos, talvez seja o que merecemos.

Deadpool nasce da tentativa de traduzir para as telas o espírito anárquico e satírico dos quadrinhos do anti-herói. São histórias que trazem para o primeiro plano todo o sexo e violência que que está no subtexto das aventuras impressas, com o personagem questionando o tempo todo a lógica e a linguagem do meio em que está inserido. O filme segue o mesmo espírito, reforçando que é sim voltado para adultos e se permitindo linguagem obscena, cenas de sexo um pouco mais reveladoras e mutilações diversas que explodem na tela.

Neste sentido é louvável o esforço de alienar os adolescentes para quem a cultura pop tem sido voltada nos últimos 40 anos. Tanto como modelo de negócio, pela censura alta, quanto pela própria história. Daí a presença da personagem Negasonic Teenage Warhead (Brianna Hildebrand), a jovem mutante ajudante de Colossus (Stefan Kapicic, voz). Antes que tenha oportunidade de fazer qualquer tipo de comentário ela é soterrada por Deadpool (Ryan Reynolds), que dispara todos os clichês possíveis envolvendo a alienação e tédio ligados ao estereótipo adolescente contemporâneo. É um lembrete claro de que este filme de herói não é e não quer ser para eles, diferente de todos os outros – Batman – O Cavaleiro das Trevas (The Dark Night, 2008) conseguiu a façanha de ser liberado para jovens de 13 anos, o que garantiu sua bilheteria.

Não-adolescente ainda não quer dizer adulto. E a opção por sexo e violência sugere justamente que o apelo de Deadpool é só para adultos infantilizados por mais de três décadas de cultura pop voltada para adolescentes – todo o cinema pós Star Wars, basicamente. Não é bem por aí. Ser adulto em Deadpool é entender que caras bombados em roupas curtas vivendo em um mundo maniqueista pode não fazer o menor sentido, mas tudo bem porque sabemos que isso não é a vida real. Daí parte do apelo da quebra da quarta parede, com o personagem conversando com a gente o tempo todo e questionando essa lógica (da qual Colossus se torna a personificação).

Por isso, também, a violência e sexo são tão caricaturais. Não apenas não é para ser realístico como também permite colocar em pauta questões mais complexas sem ninguém sair ofendido, atirando em todo mundo no cinema só porque não concorda que dois homens possam se amar ou algo que o valha. Wade Wilson, o homem debaixo da máscara, flerta com um cara e se deixa sodomizar pela namorada e tudo bem porque é apenas Ryan Reynolds fazendo piada, rindo da própria imagem. Até que lembramos que este é um super-herói que não tem problemas em demonstrar que sua sexualidade é fluida.

Isto pode não ser tão revolucionário quanto mostrar um herói tendo problemas de ereção e só conseguindo fazer sexo depois de colocar a fantasia, como acontece com Watchmen, nos quadrinhos oitentistas. Mas não custa lembrar que o Capitão América censurando palavrões no comunicador era parte do desenvolvimento de personagem de Vingadores: Era de Ultron (Avengers: Age of Ultron, 2015). Deadpool mira na jugular desse cinema de super-heróis caretas ao seu modo, revelando todo o controle social por trás disso, mais ou menos como a obra de Moore fez – guardando sua boa dose de proporcionalidade – em relação aos quadrinhos sujeitos ao famigerado Comics Code Authority.

Para o cinema, porém, é mais uma questão de bilheterias do que moralidade, o que é ainda mais perverso em diversos sentidos. A humanização de Deadpool, dentro dos limites do cinemão hollywoodiano, acaba sendo tão radical quanto, justamente por usar uma caricatura no processo. O sucesso financeiro (mais de meio bilhão de dólares arrecadados enquanto este texto é finalizado) é apenas a piada final do anti-herói tagarela.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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