“Godzilla” usa o monstrão para criar metáfora sócio-política

Godzilla

Depois de errar miseravelmente em 98, os americanos voltam agora a tentar uma nova versão de “Godzilla”, o lagarto-rei dos filmes de destruição em massa. E, vejam só, acertam. O que eles fazem para acertar é, basicamente, criar uma mitologia entorno do personagem e colocar os humanos em primeiro plano, não esquecendo de dar o devido peso para o drama das pessoas que vivem nas cidades arrasadas pela passagem dos monstros – questão fundamental em um mundo pós 11 de setembro e pós tsunamis na Ásia.

Todas as histórias dos outros filmes são desconsideradas neste novo “Godzilla”. O fio narrativo é o de uma família americana cujos pais, Bryan Cranston e Juliette Binoche, trabalham em uma usina nuclear no Japão, até que um grave acidente acontece. Um terremoto é a história oficial. Anos depois, o filho, já adulto, vivido por Aaron Taylor-Johnson, volta para o palco da tragédia, para buscar seu pai, ainda obcecado com o fato de que algo está errado nessa história toda.

O filme começa, então, a se dividir em duas frentes claras, que vão se entrecruzando. De um lado, Ford Brody, o personagem de Taylor-Johnson, só quer ir para casa. Se reunir com sua família. E, de outro, as autoridades que tentam lidar com a situação. É onde aparecem os palpites, sempre acertados, do Dr. Ichiro Serizawa e sua assistente, interpretados por Ken Watanabe e Sally Hawkins, que precisam aconselhar as forças armadas no que fazer.

Nessa segunda parte é que está guardada a questão da criação da mitologia. Aos poucos o Dr. Serizawa vai contando sobre sua teoria de que, em um passado remoto, a Terra era povoada por criaturas gigantescas que se alimentavam de radiação. E que elas não foram extintas, se escondendo nas profundezas, até que novas fontes de radiação começaram a ser usadas pelos homens no século XX. E chega a ser brilhante a forma como o diretor Gareth Edwards o filme incluindo isso nos testes nucleares do Atol de Biquíni dos anos 50.

E aí fica a questão mais complicada na hora de conseguir ou não mergulhar nesse universo. As desculpas para incluir os monstros gigantes no mundo são, sim, um tanto forçadas. E duram, em nossa mente, apenas o tempo de duração do filme. Se não menos. “Godzilla” depende muito da postura do expectador em relação a ele. E, afinal, se você não aceita esse tipo de desculpa esfarrapada, o que diabos está fazendo assistindo um filme sobre monstros gigantes?

O que se segue são as tentativas da humanidade de tentar entender o que está acontecendo e, como sempre, contra atacar antes de remediar o problema. E fica nisso um interessante comentário sócio-político. Assim que a devastação começa, as forças armadas tomam a frente. O que é justo, em certo sentido, já que é o órgão melhor preparado para lidar com esse tipo de catástrofe. Mas considerando que há um inimigo identificado – diferente de um furacão, tsunami ou terremoto – a primeira reação é a da violência. Nunca o do entendimento. E “Godzilla” deixa bem claro que, nesse caso, violência gera violência.

O mesmo vale para a questão ambiental. Godzilla e os demais monstros são forças da natureza, perturbados porque a humanidade aplica tecnologia diretamente antes de a compreender completamente. E sem se preocupar com as consequências. Ainda que Godzilla e os outros monstros funcionem em balanço entre si, a devastação deixada é, de certa forma, responsabilidade da ganância humana.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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