Grandes Olhos

Tim Burton fez em Grandes Olhos o seu melhor filme em anos. Sem dúvidas o mais interessante desde Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas, de 2003. É curioso que este também seja um dos trabalhos mais distantes dos seus típicos maneirismos estéticos, que basicamente resgatam de forma cartunesca o expressionismo alemão de diretores como FW Murnau e Fritz Lang.

Dá para entender, entretanto, porque Burton se interessou pela história, ainda que ela lhe fosse trazer bem pouco espaço para encaixar seu estilo: as pinturas de Margaret Keane (Amy Adams), conhecidas como Grandes Olhos por serem basicamente crianças com tristes e enormes olhos. O visual macabro-pop dos quadros tem o mesmo apelo estilístico de alguns trabalhos do diretor, especialmente os clássicos Edward Mãos de Tesoura e A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça.

O que não quer dizer que a história não tenha algum apelo. Os quadros Grandes Olhos tiveram a autoria assumida por Walter Keane (Christoph Waltz), marido de Margaret, que buscou a todo custo esconder que era ela quem as pintava. Parte por conta de sua vaidade, — pois ele queria ser um pintor reconhecido a todo custo —, e parte para manter sua dominação sobre a mulher e a galinha dos ovos de ouro.

Os dois aspectos são muito bem explorados pelo filme. Walter é um mercenário e uma farsa que quer muito ser reconhecido. Poucos atores conseguiriam criar um personagem tão no fio da navalha, alternando essas características com certo carisma e magnetismo, quanto Waltz. Quando o poderoso crítico de arte John Canaday (Terence Stamp) o acusa de se aproveitar da classe média endinheirada e sem gosto para vender suas “atrocidades” — o Romero Britto da época, trocando em miúdos — ele enlouquece completamente. Mesmo, veja, sem que tenha encostado em nenhum pincel para fazer os quadros.

Já a questão da dominação masculina está no coração de Grandes Olhos. Margaret é uma mulher que se separa do primeiro marido e para “poder criar” sua filha se casa novamente. Ou seja, se submete a um homem para escapar de um sistema dominado por homens. A função de Walter enquanto personagem é aliená-la completamente, tanto de suas amigas quanto de sua própria filha. O golpe mais duro, porém, está quando ele a alija de sua própria arte, daquilo que a faz mulher. Além disso, é um filme que se passa nos anos 60, quando o feminismo começa a se tornar um movimento de fato.

Essas questões são sublinhadas por uma série de enquadramentos e posicionamentos de câmera. Note, por exemplo, como Walter se coloca entre Margaret e uma amiga (Krysten Ritter) que vai visitá-los. É até curioso, porque Burton não é dado a esse tipo de sutileza, dando preferência para o óbvio que é mostrar uma prateleira cheia de latas de sopa Campbell’s antes de enquadrar os pôsteres dos Grandes Olhos (o que faz uma ressonância com a citação de Andy Warhol mostrada antes do filme começar). Ou ainda demonstrar o estado mental de Margaret aumentando os olhos das pessoas ao seu redor. Sutil como um elefante em uma cristaleira.

Ainda assim, considerando Burton e sua filmografia recente, o longa é contido o suficiente para não incomodar. Isso, somado às belas atuações de Adams e Waltz e mais algumas boas reflexões sobre a questão feminina, valem o filme.

Sobre o autor Veja todos os posts

Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *