Ida

A trajetória de Anna é a da busca pela sua identidade. As opções estéticas do diretor, Pawel Pawlikowski, deixam isso claro pela forma como a enquadra. Salvo duas exceções, ela nunca está no centro da tela, sempre nos cantos. Sempre à margem. É uma personagem que não encontrou ainda seu lugar no mundo.

Ida, que dá título ao filme vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2015, é o nome de batismo de Anna (Agata Trzebuchowska), uma noviça que passou a vida dentro dos muros de um convento na Polônia. Mas antes de fazer seus votos, pede à Madre Superiora para se encontrar com Wanda (Agata Kulesza), uma tia que poderá lhe contar mais sobre a vida que não chegou a ter.

No encontro com Wanda acontece o primeiro enquadramento central de Anna. Quando sua tia lhe revela que seu verdadeiro nome é Ida e que é de origem judia. Ao ter consciência disso, ela se aproxima de quem é de fato e portanto Pawlikowski lhe permite a centralidade. Mas saber de sua origem judaica ainda é o primeiro passo em sua jornada, que se torna literal no momento em que as duas, tia e sobrinha, decidem descobrir o paradeiro dos corpos de sua família.

A estrada é um símbolo poderoso no cinema. Manifestação visual da jornada de autoconhecimento. Da busca pela identidade. Em Ida não é diferente. A improvável dupla percorre o interior da Polônia buscando informações sobre a família que desapareceu no meio da perseguição nazista aos judeus. Para Wanda, é importante descobrir o que aconteceu com sua irmã, cunhado e sobrinho. Para Anna vale o mesmo, com uma pergunta maior: por que ela foi poupada?

Colocar Anna na margem do enquadramento é um dos muitos artifícios visuais, tão delicados quanto eficientes, usados por Pawlikowski para demonstrar com imagens o que as suas personagens estão vivendo. Como a questão da identidade é a mais poderosa, é ela que irá sobressair, claro. Mas não custa notar alguns outros, como o belo momento em que a jovem conversa com Lis (Dawid Ogrodnik), um saxofonista que se encanta por ela, de costas para uma grade cheia de formas que lembram corações (imagem que ilustra este texto). O resultado é uma construção que remete diretamente ao expressionismo, sem a agressividade das temáticas do horror ou do policial.

Ao usar elementos estéticos para contar parte da história, Pawlinowski tem a tranquilidade para usar os diálogos com parcimônia. Não chega a ser uma economia radical, mas há um exploração narrativa do silêncio. O que também serve para valorizar mais os diálogos, que aqui são usados praticamente em caráter revelatório ou de contraste entre as vidas de Anna e Wanda.

Muito da tensão narrativa vem dos diálogos entre as duas. Wanda é uma juíza veterana que construiu uma carreira sólida em uma Polônia devastada pela Segunda Guerra Mundial. Ela representa o cinismo do mundo pós-conflito, mergulhando em álcool e encontros casuais pelo simples motivo de que não há motivo em nada, para o horror de Anna, que busca respostas em sua fé. Muito por conta de seu mundo se restringir às paredes do convento onde foi criada.

A trajetória de Anna não acaba quando descobre mais sobre si. Entender seu lugar no mundo é uma coisa completamente diferente de aceitá-lo e nisto reside uma das questões mais poderosas de Ida. Decidir entre as diferentes alternativas que se apresentam para sua vida,mas não sem antes dar uma chance a elas.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

1 ComentárioDeixe um comentário

  • Também notei que praticamente não há movimento de câmera. A as exceções são um plano que mostra o carro vindo no meio da estrada em direção à câmera, o carro faz uma curva e para. A câmera da uma leve corrigida. Mas os mais significativos são os dois últimos planos, ambos com a câmera na mão, balançando bastante.

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