“João e Maria: Caçadores de Bruxas” tenta fazer da fábula um filme de horror

Era uma questão de tempo até que alguém resolvesse fazer uma versão (mais ou menos) para adultos da fábula de “João e Maria”, cujo formato mais conhecido é o escrito pelos irmãos Grimm. Então, não é de todo mal que quem tenha resolvido fazer essa versão tenha sido o norueguês Tommy Wirkola. Afinal de contas, a brincadeira aqui é simplesmente usar a fábula como mote para um monte de cenas de ação malucas.

“João e Maria: Caçadores de Bruxas” conta a história das duas crianças depois delas terem sobrevivido à casa feita de doces e matado sua primeira bruxa, ainda crianças. Eles crescem vagando de cidade em cidade matando quantas bruxas encontrarem pelo caminho. O que, pelo ritmo do filme, deve dar mais ou menos uma por semana. Como não se faz um filme de ação sobre o dia a dia comum das pessoas, eles acabam chegando em uma vila em que o comportamento das bruxas está diferente do usual, o que leva, claro, a um complô de uma feiticeira poderosa para ganhar mais poder.

Um dos méritos do filme está na classificação indicativa, proibido para menores. Isso deu a Wirkola liberdade para criar uma ambientação que está mais próxima dos filmes de horror do que dos de fantasia, de onde deveria vir a inspiração visual naturalmente. Isso é muito marcado nas mortes, que não poupam o espectador do sangue e vísceras sendo espalhados por todos os lados. Inclusive para o lado da tela, já que é um filme em 3D – que não chega a fazer muita diferença ao longo da projeção, fora quando algo é arremessado em direção à tela.

A maquiagem das bruxas, nas duas primeiras aparições no filme, seguem essa cartilha. Especialmente a primeira, que aprisiona os garotos ainda crianças, que é mais uma velha decrépita com aspecto demoníaco do que um demônio propriamente dito. As que se seguem não são tão inspiradas assim, o que nos faz lembrar que, apesar de todo o peso da ambientação, ainda assim é um filme de fantasia.

Os fãs das fábulas ainda podem encontrar algumas referências em meio às sequências de ação. Como uma maçã vermelha ao lado de Maria quando acorda ou quando lhe é oferecido minguau “nem tão quente, nem tão frio”, como em “Cachinhos Dourados”. Mas o mote central ainda é “João e Maria” e o exercício de imaginar seus desdobramentos. Como, por exemplo, fazer de João diabético, graças a ter passado algumas semanas comendo apenas doces quando criança.

O que não deixa de ser um pouco estranho. Primeiro porque no instante em que o vemos passar mal por conta da insulina, sabemos que em um momento dramático no clímax isso vai se repetir. E segundo: como assim João e Maria desenvolveram um soro capaz de tratar da diabetes, sendo aplicado por uma seringa, na idade média? Pergunta que também vale para uma série de coisas, como as armas usadas por eles, baseadas em articulações complexas, pólvora e até mesmo em uma bobina eletromagnética.

Isso se aplica a várias coisas, como as xilogravuras de crianças desaparecidas nas garrafas de leite, ou os recortes de jornal sobre João e Maria, ou mesmo o simples fato de se haver jornais. Tudo porque a ideia não era retratar a idade média, mas criar uma espécie de idade média steampunk retrô, se aproximando de um “Van Helsing”. Por algum motivo, mesmo em um filme em que aceitamos perfeitamente a existência de bruxas, todas essas características da modernidade ainda aparecem incômodas.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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