“John Carter – Entre Dois Mundos” é uma ficção científica épica para todas as idades

“John Carter – Entre Dois Mundos” é uma ficção científica épica para todas as idades

Ao fim de uma sessão de “John Carter” há, basicamente, duas atitudes possíveis. A primeira, e mais inocente, é esbravejar contra os sucessivos clichês do gênero na mesa de bar ou rede social mais próxima. A outra é se lembrar que Edgar Rice Burroughs, autor de “A Princesa de Marte”, que deu origem ao filme, escreveu a primeira das 12 “Crônicas Marcianas” em 1912. O que quer dizer que ele praticamente inventou a maioria desses clichês.

Na história, John Carter (Taylor Kistch), um ex-soldado americano do início do século 20, através de uma série de infortúnios, acaba caindo em Marte. Lá descobre duas coisas: que pode saltar distâncias incríveis e carregar mais peso que qualquer habitante do planeta, graças à diferença de gravidade; e que está no meio de uma guerra que pode acabar com a vida em todo o planeta, chamado pelos nativos de Barsoon. E ele, que já relutava em participar do conflito em seu próprio planeta, só irá se compadecer daquele povo depois de conhecer Dejah Thoris (Linn Collins), a Princesa de Marte do título original.

Não há novidade. De “Flash Gordon” a “Avatar”, passando por “Inimigo Meu”, o conto do herói que é pego de surpresa, cai em um mundo completamente diferente e, ainda que relutante, acaba tendo um papel central nas transformações sociais daqueles povos já foram vistos várias e várias vezes. A novidade de “John Carter” está em mostrar algo próximo da versão original dessa história. E de forma muito competente, diga-se de passagem.

A começar pelo elenco, encabeçado, claro, por Kistch e Collins, que defendem bem seus personagens. Especialmente se considerar o time de apoio, formado por nomes como William Dafoe, Samantha Morton, Mark Strong, Bryan Cranston e Thomas Haden Church. Não que Kistch seja um novato, mas ele ainda não tinha carregado um filme dessa magnitude nas costas. Responsabilidade para poucos, que ele encara bem, com aquele misto de concentração e carisma necessário para todo protagonista de um épico dessa magnitude.

Parte do mérito da atuação vem de se ter um roteiro coeso, que vai mostrando, aos poucos, a transformação do herói. ‘Transformação’ talvez seja uma palavra muito pesada para o caso. Carter não é humanizado pela Princesa. Ela só o faz lembrar de quem ele é de verdade. Afinal, ele, mais de uma vez, ao agir sem pensar (agir baseado apenas em seus instintos), sempre acaba salvando a vida das pessoas que estão em volta. John nunca deixou de ser o herói que evitava ser.

Ajuda na composição, claro, ter uma mente criativa como a de Andrew Stanton, diretor consagrado de animações da Pixar como “Wall.e”, “Procurando Nemo” e “Vida de Inseto”. Se ele está testando a mão na hora de coordenar atores, suas habilidades como contador de histórias e criador de mundos estão mais do que testadas (e aprovadas).

Toda a ambientação de Marte merece destaque, com as roupas, costumes, paisagens, naves e armas. Mas, acima e junto de tudo isso está a criação dos Tharks, criaturas de quase três metros, com quatro braços e toda uma cultura própria. Considerando os avanços na recriação de personagens digitais, especialmente em um mundo pós “Avatar”, nós, enquanto audiência, estamos muito exigentes com a computação gráfica. Não é qualquer Jar Jar Binks que nos convence. Mas é incrível como os Tharks parecem perfeitamente possíveis naquele universo, além de serem uma bela alegoria para o massacre dos nativos-americanos (vulgo, índios).

E se o texto é só elogios, é simplesmente porque há pouco para se falar mal. As pontas soltas e motivações dos vilões, por exemplo, estão ali muito mais para forçar uma continuação (são 12 livros, afinal), que por desleixo de roteiro, que é bem espertinho, na verdade. Além, claro, da ressalva do cliché-que-não-é-cliche-coisa-nenhuma que já foi feita no primeiro parágrafo.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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