“Minhocas” vale mais pelo esforço de produção do que como cinema

Não deve ser um exagero dizer que todo mundo conhece “Chaves”, o seriado infanto-juvenil mexicano que o SBT encaixa sistematicamente em sua grade de programação. Pois bem. Imagine que em “Chaves” não é o menino de rua simpático, meio abobalhado e carismático que é o personagem central. Imagine que ele é trocado por Quico, menino rico, mimado, irritante e metido. Imagine esse personagem como protagonista. Visualizou? Pois nem precisa, porque é exatamente isso o que “Minhocas” faz.

No filme acompanhamos Júnior, garoto rejeitado pelas outras crianças do bairro em parte por usa falta de habilidade nos esportes, em parte por insistir em bancar o dono da bola, se irritando quando preterido. Para provar que não é o covarde filhinho da mamãe que na verdade é, ele aceita um perigoso desafio que, acidentalmente, acaba lhe tirando do buraco de minhoca e, uma vez na superfície passa por uma série de aventuras ao lado de Neco, o amigo de bom coração renegado por Júnior, e Linda, que já estava desaparecida antes. Tudo para que ele, supostamente, aprenda sua lição.

Em paralelo há o plano de BigWig, um tatu bola que está cansado de ver sua espécie usada pelas minhocas como mascotes e/ou bola, traça um plano de dominação total. Por uma coincidência, dessas que justificam os filmes, ele está com seu exército de zumbis-minhoca e seu trio de capangas, justamente no lugar onde foram parar Júnior e seus amigos. Essa parte da trama responde pela provação do personagem central.

O problema é que não apenas Júnior é um personagem absolutamente desinteressante como também sua lição nunca fica verdadeiramente clara, ou mesmo chega a se concretizar. O filme, com isso, se sustenta muito mais no discurso de “brasileiros fazem longa em stop-motion pela primeira vez” do que por si só. E isso não deixa de ser um pouco triste.

Não é menosprezar o trabalho árduo da produção, que levou mais de oito anos para transformar um despretensioso curta, de mesmo nome, em um pretensioso longa. Não apenas o stop-motion, que enquanto técnica é exaustivo – ainda que não seja a única usada pela produção, é a predominante. Mas também por enfrentar toda a burocracia do sistema de de financiamento público-privado para cultura brasileiro. São muitos os méritos de “Minhocas” e não é exagero chamar de milagre sua chegada aos cinemas.

Mas proponho abordar essa questão por outro ângulo. Um projeto que é feito de forma tão apaixonada, por tanto tempo, não deveria ter dado mais atenção para o roteiro, pedra fundamental de todo filme (e, não-raro, calcanhar de aquiles da produção nacional)? A falta de carisma do personagem central, nesse sentido, é apenas o primeiro dos problemas. A trama toda é desencontrada, pesa a mão demais em desencontros e coincidências, além de conter diálogos absolutamente desnecessários.

Que fique anotado o esforço da estreia do Brasil em animações em stop-motion. De resto é torcer pela chegada da primeira boa animação em stop-motion brasileira.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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