“Missão: Impossível – Nação Secreta” revê mito

A forma como o suspense é construído na primeira sequência de “Missão: Impossível – Nação Secreta”, quinto filme da franquia que a gente já nem lembra que foi um dia baseada em uma série de TV, já dá o tom. A expectativa está na não explicada ausência de Ethan Hunt (Tom Cruise), que precisa impedir que um carregamento de armas químicas chegue ao seu destino. No último instante, claro, o agente aparece e protagoniza uma manobra alucinada e desesperada, que só ele poderia executar. Neste ponto, o espião é mais uma entidade do que um personagem e, dali em diante, praticamente cada cena irá servir para reforçar seu mito.

Reforçar o mito de Ethan Hunt significa, o diretor Christopher McQuarrie parece pensar, fazer um mergulho mais profundo na estrutura básica das franquias de espionagem. O que quer dizer que o personagem de Cruise precisa enfrentar alguém parecido com ele mesmo. É aí que entra em ação o Sindicato, ou a Nação Secreta do título, que opera nos mesmos termos da IMF que banca o agente. O que o coloca em uma situação desesperada, sem o apoio da própria agência e enfrentando uma estrutura similar. Ele se torna, do ponto de vista estrutural, um vilão dos outros “Missão: Impossível”.

Com isso, a referência da franquia “Bourne”, do grande espião perdido e isolado no mundo, surge, claro. Mas aqui, ela já aparece diluída pelo que foi apresentado nos novos “007”, reformulados à luz dos filmes estrelados por Matt Damon – e a cena de tribunal de William Brandt (Jeremy Renner) tendo que defender a IMF, retirada diretamente de “Operação Skyfall”, é prova disso. “Nação Secreta”, então, torna-se o pastiche do pastiche, a cópia da cópia, para assim se apresentar ainda mais novo e fresco, especialmente depois dos dois últimos filmes, tão bons quanto esse.

Mas o mergulho de McQuarrie no universo dos filmes de espionagem não se resume aos grandes trabalhos após “Bourne”. É, afinal, impossível mostrar um assassinato de um político em uma ópera e uma viagem ao Marrocos sem que isso seja, de alguma forma, uma citação aos dois “O Homem Que Sabia Demais”, de Alfred Hitchcock. Essa é uma das melhores e mais tensas sequências de todo o “Nação Secreta”, mesmo que ela não tenha a mesma elegância na forma como o grande mestre aumenta aos poucos a tensão do assassinato, alternando os cortes entre Doris Day, o assassino e seu alvo na versão de 1956.

Daí para frente, o filme vai fazendo uma espécie de retorno às origens, já que há a obrigatória cena de invasão à instalação impossível de ser invadida, seguida por uma sequência de perseguição e, por fim, encontros e desencontros, com direito a muitos tiros e lutas corpo a corpo, por vielas no coração de Londres. Esse é McQuarrie prestando seus respeitos ao “Missão: Impossível” de 1996, de Brian De Palma, que antecipa a onda dos thrillers sérios de espionagem em uns bons dez anos. “Nação Secreta” faz questão de, inclusive, resgatar a mensagem que se autodestruirá em cinco segundos, ainda que isso ganhe um novo significado.

Assim como “Operação Skyfall” fez com James Bond, “Nação Secreta” é o filme que coloca a necessidade de uma agência independente em xeque. As operações dependeriam de muito mais sorte do que de habilidade, segundo a argumentação do diretor da CIA (Alec Baldwin) que se opõe à IMF. Hunt tem sua lenda questionada e por isso precisa se reafirmar tanto. O questionamento se aprofunda um pouco mais pelo fato de que a grande cabeça do Sindicato usa também o mito do agente para sua agenda própria, colocando uma donzela em perigo, coisa irresistível demais para ele, que se vê como um cavaleiro de armadura.

A dama em questão é a habilidosa Ilsa Faust (Rebecca Ferguson), personagem que finalmente redime a série de uma misoginia implícita. Em todos os outros quatro filmes, as mulheres estão lá para serem salvas por Hunt. Aqui, ao contrário, é ele quem é salvo. Mais de uma vez. Além disso, ela enfrenta de igual para igual, durante a última sequência de ação, um oponente masculino, muito mais imponente fisicamente. Um grande passo adiante, ainda mais se considerando um filme de Cruise, cuja persona se confunde com a dos personagens que encarna, especialmente nos últimos anos.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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