Mistress America

Mistress America

Com Enquanto Somos Jovens (While We’re Young, 2014) Noah Baumbach fez as pazes com sua própria geração, os novos quarentões que perderam o domínio cultural com a chegada dos hipsters. É uma evolução natural de O Solteirão (Greenberg, 2010) e sua visão mais amarga e irônica das pessoas dessa faixa etária, especialmente os que não aceitavam que estavam ficando velhos. Mistress America (2015) faz mais ou menos o mesmo com a questão feminina em foco, desenvolvendo-se à partir de Frances Ha (2013). Ambos são, afinal, fruto da parceria de Baumbach com Greta Gerwig.

Assim como Enquanto Somos Jovens (e boa parte de seus filmes), Mistress America estabelece sua dinâmica pelo contraste. Entra em cena uma jovem universitária aspirante a escritora, Tracy (Lola Kirke), que se encanta com Brooke (Gerwig), por sua vez uma recém balzaquiana vivendo Nova York e sua vida aditada e cheia de planos. Logo a voz da primeira começa a aparecer narrando o filme; são trechos de um conto que ela escreveu sobre a amiga, projetando nela seus sonhos e desejos. É a chave para desvendar o novelo criado por Baumbach e Gerwig.

Tracy fica absolutamente encantada com Brooke, mas quando resolve escrever sobre ela todo o seu cinismo transborda pelas palavras. Para não se sentir a menina deslumbrada que de fato é só lhe resta identificar um vazio em toda a loucura que é a vida da amiga. Mas Brooke não é um Ovo Fabergé, uma casca adornada sem nenhum conteúdo. Ela não vai em festas incríveis, sai com caras malucos e vive em espaços alternativos para fugir da solidão de sua própria cabeça. Essa fabulação, fruto do preconceito, de décadas de cinema alternativo e literatura descolada, contamina o olhar de Tracy.

O cinema de Baumbach sempre teve seu pé no drama literário, o que lhe rende comparações com as melhores dramas e comédias dramáticas de Woody Allen. Mas em Mistress America ele abraça o gênero criando um jogo teatral para quando atingir o clímax. Os personagens vão para uma mansão em Connetcut porque Brooke precisa de dinheiro para abrir um restaurante. A casa dos (ex-) amigos se torna um palco, e toda a dinâmica das rápidas peças de teatro contemporâneas toma a tela.

Esta é de longe a melhor sequência de todo o filme, mostrando um certo amadurecimento estilístico de Baumbach — e também, é claro, o de Gerwig como roteirista — que demonstra com imagens e dinâmica de cena toda a construção literário-discursiva sobre as personagens. A simples existência de nomes deliciosamente literários como Mamie-Clarie (Heather Lind) ou Nicolette (Jasmine Cephas Jones) são prova disso. Outra prova é a decisão de encerrar essa comédia de erros sem se preocupar com explicações lógicas ou logísticas. A literatura, afinal, abandonou o realismo tempos atrás.

Com isso o filme reforça novamente a projeção de Tracy sobre Brooke, mais ou menos como a própria Greta Gerwig fez em Frances Ha. Ela era menos um personagem e mais um movimento, o retrato de uma geração. O passo à frente está na reação de Brooke quando se vê retratada pelos olhos da amiga. Pode parecer hipocrisia, considerando todo o seu esforço de visibilidade, mas não gostar de como é vista é apenas uma das muitas contradições inerentes a ela e a sua geração.

O choque entre a visão de Tracy sobre Brooke, tanto a pessoal quanto a literária, e a que esta última tem sobre si mesma escancara as contradições inerentes à própria existência humana contemporânea. É o verdadeiro existencialismo que Mistress America se propõe a fazer, escondido por baixo das reflexões rasteiras da jovem Tracy. Com isso Baumbach faz as pazes com os hipsters e Gerwig e sua Frances que, vá lá, também era uma musa do não-movimento.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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