Mizoguchi e o olhar divino em A Vingança dos 47 Ronins

A Vingança dos 47 Ronins

Como conto, a história dos 47 Ronins ganhou certo destaque por conta de Ronin, filme de 1998, dirigido por John Frankenheimer e estrelado por Jean Reno e Robert De Niro. Em determinado momento, enquanto estão refugiados, um dos heróis da trama ouve a história dos samurais que perdem seu mestre e partem em um plano de vingança um ano depois. É o diálogo que justifica o título do filme, que não tem, à rigor, nada a ver com o Japão Feudal.

No ano passado, uma nova versão da história chegou aos cinemas. 47 Ronins, estrelado por Keanu Reeves junto de um ótimo elenco japonês que não tem espaço para brilhar. Dessa vez a história foi recauchutada, incluindo uma subtrama sobrenatural que não acrescenta muito para o filme. Fora o belo visual, uma ou outra cena de ação e o trabalho dos japoneses, sobra bem pouco em que se agarrar ao longo do filme.

Por isso vale a pena voltar em A Vingança dos 47 Ronins, de 1941, dirigido pelo mestre japonês Kenji Mizoguchi. Ao longo de quase quatro horas de duração, acompanhamos a trajetória dos samurais que ficam desamparados quando perdem seu mestre, obrigado a cometer o harakiri, o suicídio ritual em que o guerreiro é obrigado a cortar seu próprio ventre. A punição, segundo o que pensam, é exagerada, mas não é injusta. Por isso, a única coisa que resta aos ronins – andarilhos, samurais sem mestre – é a vingança. Mas uma série de condições sócio-políticas precisam ser preenchidas para que isso aconteça.

Mizoguchi aproveita o entrave de costumes para desenrolar a trama bem lentamente – e, talvez, lentamente demais para o gosto contemporâneo, da geração pós-MTV. Os diálogos, apesar de vigorosos, demoram a chegar ao ponto. Isso quando não passamos algum tempo apenas observando os personagens em um silêncio profundo. Tão bonito quanto opressivo, afinal há uma tensão profunda em cena, criada sem o uso de cenas de batalha.

É aí que reside a maior qualidade do filme, que, curiosamente, pode passar desapercebida. Mizogushi não usa sua câmera para oprimir ou confrontar seus personagens. Ela é posicionada, ao contrário, como um observador distante, que possui um leve interesse sobre os acontecimentos que estão sendo apresentados. É como se nós, através do olhar dos enquadramentos de Mizogushi, fôssemos uma entidade divina que está ali de passagem.

São diversas as cenas externas que começam enquadradas do alto dos telhados e, lentamente, descem para o nível do olhar de um adulto, só para depois subir novamente. Assim como são muitas as cenas internas em que a câmera está distante, enquadrando todos os personagens, se movendo apenas horizontalmente para criar novas interações. Os diálogos, assim, nunca são entrecortados, com a vulgaridade hollywoodiana que coloca cada fala em campo e contra-campo.

O resultado é arrebatador, ainda que haja um profundo estranhamento entre os espectadores ocidentais. Não apenas por questões estéticas, mais notadamente o ritmo lento, já citado acima, mas também toda a questão temática. A lógica da honra japonesa feudal é completamente alienígena para a gente que aprendeu a mudar de opinião com o vai da valsa. Assim, além de uma aula de cinema, A Vingança dos 47 Ronins ainda apresenta um lado antropológico profundo, que nem mesmo o cinema contemporâneo de samurai consegue resgatar.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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