Mundo Cão

Mundo Cão

Marcos Jorge é um diretor que mostrou boa mão para manipular gêneros já em seu longa de estreia, Estômago (2007). O filme transitava com uma certa suavidade da comédia para o thriller e de volta para a comédia. Mesmo a surpresa final, mais chocante, condiz com o universo estabelecido pela trama. Mundo Cão (2016) busca fazer o mesmo, mas ao invés de se amalgamarem com suavidade, os gêneros entram em choque. O resultado emula no espectador o mesmo desconforto que a trama inflige no protagonista, Santana (Babu Santana), um tranquilo funcionário do departamento de zoonoses.

Santana se vê espremido pela a violência do mundo e a burocracia das instituições tanto quanto está entre a comédia e, novamente, o thriller. Jorge explora isso ao fazer o personagem ouvir de um policial um mesmo discurso sobre procedimento que ele mesmo havia dado antes para Nenê (Lázaro Ramos), o criminoso que teve seu amado cão recolhido e sacrificado.

Estar inserido no procedimento burocrático coloca Santana na mira de Nenê, que lhe devolve a “afronta” de ter sacrificado o seu cachorro no que considera ser a mesma moeda, sequestrando seu filho mais novo – ecoando a relação de afeto doentia que uma parte da população têm com seus animais de estimação. O vilão projeta a violência institucional no servidor e responde com a única linguagem que conhece, por ser efetiva: a violência. As mesmas instituições falham com Santana, que logo decide, ele também, apelar para a linguagem da violência.

A rápida sucessão de acontecimentos deixa Mundo Cão mais e mais sombrio, ainda que o humor esteja sempre presente de alguma forma. Vidas se perdem e famílias são destruídas por um misto de descaso das instituições, cujos mecanismos de controle se tornaram a chave para a inépcia, e o sucateamento que levou à corrupção. Os personagens são patéticos e trágicos e a oposição Santana e Nenê ressalta essas características entre um e outro.

O ritmo oscilante é também uma chance de Marcos Jorge brincar com seu próprio repertório. De O Beijo no Asfalto (1981) à cena do estádio que remete tanto à Rio 40 Graus (1955) quanto O Segredo de Seus Olhos (El Secreto de Sus Ojos, 2009), antecipando uma surpresa do roteiro diretamente ligada à resolução do argentino. Ou ainda o jogo de sedução entre Nenê e Isaura (Thainá Duarte), que remete diretamente à Cabo do Medo (Cape of Fear, 1991).

Mundo Cão vai da comédia ao thriller ao drama e de volta em um ciclo que lembra a espiral de violência que os personagens infligem uns aos outros. Marcos Jorge, não diferente do que mostrou em Estômago, sacrifica a inocência para resolver o conflito. Aquela família jamais será a mesma novamente, precisando lidar eternamente com um esqueleto no armário.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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