Novo “Carrie – A Estranha” é tão parecido com o original que se torna desnecessário

Em princípio não há nada de errado em se refilmar um clássico de Brian de Palma, ele próprio responsável por atualizar “Scarface”. O problema é quando essa refilmagem apresenta quase nada de diferente em relação ao original. Seja em relação aos personagens, seja em relação aos significados em potencial. Esse é o casso deste novo “Carrie – A Estranha”, para qual o original nada deve.

A história muda muito pouco. Carrie, agora interpretada por Chloe Grace Moretz, vive sob o fundamentalismo religioso maníaco de sua mãe, vivida por Julianne Moore. Isso a torna alvo fácil para os provocadores da escola. Ao mesmo tempo, como metáfora para as transformações da adolescência, ela começa a desenvolver poderes de telecinese – em muito influenciados por seu estado mental. O resultado dessa combinação, claro, só pode ser trágico.

Dá para entender o que motiva a produção. O “Carrie” de De Palma está datado – do ponto de vista de imagens, trilha e atuações, que fique claro -, mas sua discussão não. A versão da diretora Kimberly Peirce carrega na loucura da mãe e na maldade da colega, Chris, vivida por Portia Doubleday. Tudo para sublinhar a mensagem que já era forte no original: o ódio pelo diferente gera mais ódio e a consequência só pode ser violência e tragédia.

Em geral, é injusto com um filme focar demais na comparação com outra obra. Mas quando os roteiros são praticamente idênticos, fica difícil não insistir nisso. Note, por exemplo, como diversas frases ditas pelos personagens são idênticas às do original. O que soa estranho já que muito pouco foi feito para atualizar a linguagem e quem conhece um pouco o inglês falado pelos jovens de hoje poderá perceber como as frases soam estranhas. Isso acontece, basicamente, porque o texto foi escrito na década de setenta.

O trunfo de Kimberly está na direção de atores, sem dúvida. Todos os personagens ganham camadas internas mais claras, coisa que era apenas sugerida pelo original – o que não chega a causar alguma grande revelação sobre a trama, ou mesmo jogar luz sobre qualquer dos acontecimentos. Mérito, claro, do elenco. Mas a diretora já tinha demonstrado essa capacidade antes em “Meninos Não Choram”.

Com isso, a Carrie de Chloe é mais cheia de dúvidas e incoerências, além de ganhar mais tempo de tela aprendendo a controlar seus poderes, enquanto a mãe de Julianne é ainda mais maluca – e a cena de abertura, das poucas ausentes no original, está aí para demonstrar isso. Sobra espaço, inclusive, para a redenção de personagens que, na versão anterior, não foram poupadas.

Tudo culmina no terceiro ato. Na maldade definitiva de Chris, que deflagra o ódio de Carrie sobre todos. Kimberly não segura a mão, chegando ao efeito estético de um terror-trash. Faz sentido, no final. Em tempos de individualidade e apatia, a ideia de que não é apenas imoral como também perigoso discriminar alguém que parece diferente à primeira vista.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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