“O Lugar Onde Tudo Termina” reflete sobre os ciclos da vida

Há um incômodo claro em relação a “O Lugar Onde Tudo Termina” para o espectador médio. São três atos completamente distintos, ainda que interligados, que mais lembram a estrutura de peças do teatro clássico, ou mesmo longos romances que abraçam períodos extensos das vidas de seus personagens. Isso, aliado ao fato de que o filme é um drama pesado, sem deixar claro quem é mocinho e quem é bandido, não facilita para quem está mais acostumado a blockbusters atravessar as mais de duas horas de exibição. Mas o resultado final, se houver uma chance, pode ser recompensador.

O primeiro ato enfoca em Luke, papel de Ryan Gosling um motoqueiro de circo, que enfrenta o Globo da Morte, sem eira nem beira, que resolve abandonar tudo e se estabelecer em uma pequena cidade quando descobre que tem um filho com Romina, interpretada por Eva Mendes. Quando o dinheiro que ganha como mecânico não dá para o que ele precisa, ele resolve assaltar bancos. As coisas vão mais ou menos bem, até que ele decide ignorar o conselho de seu chefe e mentor e começa a arriscar demais.

O final dramático do primeiro ato, dá a deixa para o segundo, em que acompanhamos a recuperação do policial Avery, papel de Bradley Cooper, que tomou um tiro em ação. Ao mesmo tempo em que recebe atenção por se tornar um herói, ele é tentado a se corromper por outros colegas. O terceiro se passa anos depois, e envolve os filhos de Luke e Avery, Jason e AJ, interpretados por Dane DeHaan e Emory Cohen, respectivamente. Por uma dessas coincidências que só acontecem nos filmes (justamente por isso é que essas histórias valem ser contadas), os dois se tornam amigos, o que levanta toda a poeira do passado recente.

O diretor, Derek Cianfrance, também coautor do texto, junto de Ben Coccio e Darius Marder, tem uma tese aqui. É como se ele dissesse que não podemos fugir de quem somos de verdade. Ou ainda que a vida é feita de ciclos que não são facilmente quebráveis. Avery se torna seu pai, mesmo passando a vida tentando negá-lo. E o que vemos é AJ negando Avery, ainda que diferente da maneira com que este negava seu pai. E não é difícil imaginar que, em algum momento AJ se torne advogado ou político, seguindo os passos da família. Da mesma forma Jason caminha para se tornar Luke – repare como ele passa o tempo todo sobre uma bicicleta, como seu pai ficava sobre a moto.

A marca visual disso é o tal lugar entre os pinheiros do título original em inglês. Os grandes momentos de transição do filme acontecem lá. Não é forçar a barra pensar que o pinheiro, por sua forma padronizada, simbolize essa impossibilidade de mudança. Um pinheiro será sempre um pinheiro, querendo ou não ser um carvalho ou algo que o valha. Nesse sentido, de ciclos e de recomeços, a versão brasileira do título chega a parecer uma piada de mau gosto pela incompreensão do assunto tratado no filme.

A força do filme não está apenas no roteiro, que é muito bem estruturado. Cianfrance arranca de seu elenco atuações muito acima da média. E muito vai se falar em relação ao trabalho de Cooper e como ele chega a ofuscar um pouco Gosling, que vinha sendo, até pouco tempo atrás, mais reconhecido como um ator de recursos. Mas a cena é roubada mesmo pelo jovem DeHaan, e essa não é nem a primeira vez que ele faz isso. “Os Infratores” é mais do que prova.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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