“O Tempo e o Vento” se perde no meio de muitas histórias

É de se admirar a ambição de tentar levar para os cinemas o épico gaúcho “O Tempo e o Vento”, escrito por Erico Veríssimo. Os vários tomos, agrupados em três lançamentos – “O Continente”, “O Retrato” e “O Arquipélago” – fornecem muitos personagens, tramas, subtramas e cenários para que se almeje uma transposição total ou fiel. A saída, então, envolve escolher algo dentro disso, que tenha início, meio e fim, com um arco bem desenhado, para render duas horas de projeção.

A versão para os cinemas, dirigida por Jayme Monjardin, encontra nisso seu primeiro obstáculo, que se configura em seu primeiro erro. Ainda que faça sentido focar nas tramas de “O Continente”, onde se encontram os personagens mais famosos, como Bibiana, Ana Terra e Capitão Rodrigo, mesmo esse recorte é amplo demais.

O filme começa pelo final. Com Bibiana já velha contando ao espírito do Capitão Rodrigo Cambará – Fernanda Montenegro e Thiago Lacerda – a história de sua família. E aí voltamos ao passado para acompanhar a vida de Pedro Missioneiro, que se apaixona por Ana Terra – Martín Rodriguez e Cleo Pires – que precisa ir com seu filho para Santa Fé, onde refunda a família Terra. Salta para o tempo de Bibiana, papel de Marjorie Estiano, neta de Ana, que se apaixona pelo Capitão Rodrigo, que acaba rusgando com a família Amaral, fundadora da cidade.

Se está confuso no parágrafo acima, no filme a coisa até que é apresentada em ordem clara e com um certo charme, já que quem narra é Fernanda – sempre empenhada em dar vida à seus papéis. Mas todos esses personagens escancaram um problema inerente à narrativa. À rigor, Ana Terra não reflete nada para Bibiana e Capitão Rodrigo, cujas histórias não vemos como se desenvolveram no cerco do Sobrado, que é onde se encontra o `tempo presente` da trama, já que tudo são memórias de Bibiana.

Tudo isso temperado com a trilha sonora que busca nos envolver para levar para a catarse. Algo que acontece de 15 em 15 minutos do filme, o que esvazia as tentativas que poderiam ser legítimas, como a noite de núpcias de Bibiana e Rodrigo. Tudo porque o recurso é usado de forma leviana.

A coisa ainda melhora um pouco quando entra em cena Lacerda com seu Capitão Rodrigo, que é, de longe, o melhor personagem da trama. Toda a empáfia de macho gaúcho, com suas peleas e vocabulário próprio, dá cor a uma trama que vinha se desenvolvendo em tons pastéis. Mas ele também é responsável por um grande contraste, sendo o único que ensaia um sotaque e que usa gírias e expressões típicas do Rio Grande do Sul, acaba por escancarar a falta de preparação do resto do elenco.

E mesmo que seja o que de melhor há na trama, nem mesmo o Capitão Rodrigo escapa dos problemas do roteiro. Note, por exemplo, que é dado um peso – completamente justificado – para sua ausência durante a triste cena em que ele e Bibiana perdem um filho, com o agravante dele estar jogando e bebendo, ao invés de estar ao junto de sua família. O impacto que isso tem para toda a trama, ou outros personagens, é absolutamente nenhum. Ao contrário, serve, se tanto, para que nós tenhamos um pouco de antipatia dele, algo que não tem a menor razão de ser, já que não humaniza o personagem.

O que sobra, além de pálidos ecos da obra original – e se atrair novos leitores para os livros de Veríssimo, já está mais do que bom -, são as paisagens, realçadas pela fotografia. É quase possível sentir o minuano batendo ao ver as imagens dos pampas gaúchos. Pena que não é suficiente para sustentar as mais de duas horas de projeção.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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