Os Boxtrolls

Os Boxtrolls

Os outros trabalhos do estúdio Laika, Coraline e o Mundo Secreto e ParaNorman, já traziam um discurso engajado em suas tramas. Especialmente o segundo, que coloca, por exemplo, um personagem abertamente gay para o centro da trama. Mas agora, com Os Boxtrolls, eles resolveram fazer – com muita graça diga-se – uma declaração aberta de intenções.

A trama se passa em uma cidade que é aterrorizada pelos boxtrolls do título, pequenos monstros que vivem nos subterrâneos, usam caixas de papelão como vestuário e/ou esconderijo e saem à noite para vasculhar os arredores e catar o que chamar sua atenção. Desde o sequestro de um bebê eles começaram a ser caçados por um grupo cujo líder, Arquibaldo Surrupião, pretende usar este trabalho como forma de ascensão social. Logo de cara fica o indício de que vilões e mocinhos não estão exatamente em posições claras (e o fato de dois personagens discutirem essa oposição o tempo todo só mostra o quanto isso é intencional).

Quem dá andamento para a narrativa é o jovem Ovo, um humano criado pelos boxtrolls, que fica amigo de Winnie, filha de um representante da elite da cidade. Juntos eles descobrem os segredos que existem nos subterrâneos da cidade. É o olhar infantil que irá trazer o estranhamento das bizarras regras do mundo dos adultos, como já parece ser uma marca dos filmes da Laika, especialmente em relação ao que eles (nós?) valorizam de verdade, como status e poder, em relação ao que vale a pena de fato.

O roteiro, de Irena Brignull e Adam Pava, é particularmente esperto em demonstrar como opera o mundo adulto dentro do filme ao torná-lo estranho para nós espectadores. As pessoas da cidade só estão interessadas em queijo – com os poderosos deixando de se preocupar com saúde pública para saborear um brie – e com símbolos de ascensão social representados por um chapéu branco. Parece patético até o momento que a gente se dá conta que alguém paga caro para ter um determinado carro que te leva para cima e para baixo do mesmo jeito que os modelos mais baratos.

Os Boxtrolls faz questão, ainda, de deixar clara sua a posição em relação aos adultos ao colocar o pai de Winnie, muito mais preocupado com seu chapéu branco e seus queijos do que com as crianças, como parte central da trama. A declaração de intenções é óbvia: família, amigos, verdade e justiça – conceitos tão difíceis, complexos e fugidios quanto importantes de serem buscados – vêm em segundo plano em relação à status, poder e opulência. É cruel ver uma menininha não conseguir a atenção de seu pai, mais preocupado com uma mancha pequena em seu chapéu, do que o bem estar da filha.

O olhar infantil também está impregnado nos enquadramentos e na montagem das cenas. A primeira vez que Ovo aparece na cidade de dia é exemplo disso, além de ser uma bela aula de cinema: a câmera fica na altura da cintura dos adultos, enquanto acompanhamos o personagem ser esmagado pelos passantes, ofuscado pela forte luz do Sol e completamente aturdido pelo barulho urbano. E esse é apenas um pequeno momento de brilhantismo trazido pelo filme.

O que mais vai saltar aos olhos, nesse sentido, é a riqueza de detalhes com que os diretores, Graham Annable e Anthony Stacchi, preenchem a tela. Eles chegam ao ponto de chamar a atenção do público para as mãos de Ovo, que amarra dois dedos para se sentir mais parecido com os boxtrolls, que só têm quatro.

Mas não fica só nisso. Há uma ambientação que parece ter sido tirada diretamente do expressionismo alemão, com a cidade em determinados momentos nos lembrando o clássico Gabinete do Doutor Caligari. O mesmo vale para os personagens – muito notadamente os adultos – com seus rostos que parecem mais esculturas entalhadas ou máscaras de madeira. O que, em parte, também ajuda a demonstrar a farsa que é o universo daquela cidade.

É possível que tudo isso seja um pouco complexo demais para as crianças que irão assistir. Não importa: há diversão suficiente a cada minuto e, ao menos na sessão em que eu fui, os pequenos riram bastante e se assustaram mais ainda – sem chegar a chorar. Com sorte um pouco da mensagem ficará guardada no fundo de suas cabecinhas e no futuro eles setornarãoo adultos menos patéticos.

E não esqueça de ficar alguns minutinhos depois dos créditos. Tem uma ótima piada que vai demorar um pouquinho para aparecer. Mas vale a pena.

Sobre o autor Veja todos os posts

Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *