“Os Miseráveis” tem altos e baixos, mas emociona com as canções

Antes da metade da exibição, “Os Miseráveis” encontra o seu ápice. É no corajoso take sem cortes, com a câmera fechada em seu rosto, que Anne Hathaway, encarnando a prostituta Fantine, canta a icônica “I Dreamed a Dream”. É a cena-resumo do filme, do ponto de vista estilístico, além de ser a melhor de todo o longa. Mas se o que vem antes e depois desta cena não consegue ser melhor do que isso, não quer dizer que esse todo seja ruim.

Este “Os Miseráveis” não é uma adaptação direta do livro de Victor Hugo, mas a transposição para as telas da adaptação feita aos palcos da Broadway em forma de musical. A história, porém, é a mesma. Jean Valjean, papel de Hugh Jackman, busca fugir de seu passado, encarnado na figura do inspetor Javert, interpretado por Russell Crowe. No meio do caminho ele acaba se responsabilizando pela pequena Cosette que, filha de Fantine, quando adulta (Amanda Seyfried), se apaixona pelo estudante revolucionário Marius, vivido por Eddie Redmayne. Tudo bem explicado, com seus devidos saltos temporais e demais personagens secundários.

Por ser inspirado em uma montagem teatral, surge a pergunta: qual a razão de uma adaptação de algo que já possui uma versão, digamos, imagética? O diretor Tom Hooper responde entregando uma história que só poderia ser contada, dessa forma, nas telonas. Daí a importância dos closes, como o descrito no primeiro parágrafo, nos momentos mais emocionantes. É uma aproximação que é impossível nos palcos, partindo dos recursos do cinema.

O filme é também um espetáculo visual que faz juz aos grandes épicos do cinema. E isso já fica claro no primeiro movimento de câmera, na primeira cena, em que vemos os escravos puxando um barco, em meio a uma tempestade. A cena começa em alto mar, acompanha o navio e termina enquadrando Jackman. Da mesma forma, está lá tudo o que se espera da recriação de época, fazendo da França do século 18 perfeitamente real, desde as roupas até os dentes podres, mesmo com toda a cantoria.

E é nas músicas, afinal, que o filme se justifica. Especialmente nos solos, como no já citado de Anne Hathaway ou no belo momento em que Jackman questiona sua vida e o que será dele dali em diante. Hooper optou por usar as vozes dos atores gravadas ao vivo, na locação, ao invés de regravar em estúdio. A perda em tom e afinação é palpável até mesmo para leigos. Mas o ganho é de outra ordem. A voz embargada, a respiração que não deixa alcançar a nota e todas essas coisas que implicam em técnica ruim, aqui se traduzem em emoção pura e simples.

E aí, mesmo quando o filme se permite afundar no melodrama barato do amor jovem entre Cosette e Marius, você já foi fisgado pela tragédia das vidas de Jean Valjean e Fantine. Isso implica em, creia-me, ficar com “I Dreamed A Dream” por pelo menos uma semana na cabeça.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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