Paranoia americana dá o tom de “Sem Escalas”

Sem Escalas

Há um subgênero específico dentro do cinema de ação que se dedica a explorar desdobramentos de “Duro de Matar”, o clássico de 88. Só no ano passado, por exemplo, tivemos dois ambientados na Casa Branca – “O Ataque” e “Invasão à Casa Branca”. A mais nova incursão de Liam Neeson no cinema de ação também passa pela tentativa de resgatar o espírito das aventuras de John McClane. “Sem Escalas” é, para todos os fins, um “Duro de Matar” dentro de um avião.

Neeson aqui é Bill Marks, um homem que já viu dias melhores, mas que precisa dar o melhor de si quando os passageiros do voo em que está começam a ser ameaçados. E se o terrorista em questão não receber o que quer, ele irá matar alguém a cada 20 minutos. Se essa premissa não gerar tensão suficiente, a coisa ainda vai piorando quando todas as pistas levam a crer que é justamente Marks quem está por trás de tudo.

A ideia é explorar dois medos bastante específicos entre os americanos médios. O de voar, mais primitivo, e o de terroristas, criado, em parte, por esse mesmo cinemão de ação aqui. E o roteiro é até bem esperto na hora de trabalhar com isso, especialmente em relação ao segundo caso. Chega a ser cruel ver outros passageiros ficando indignados por que a busca do personagem de Neeson por algo suspeito libera um muçulmano rapidamente.

Em um certo sentido, um pouco perverso, “Sem Escalas” sublinha também duas outras questões. A primeira é a da necessidade de políticas duras de ações contra-terrorismo (e a real natureza da ameaça não chega a redimir isso). É como se ficasse justificado o uso de força e invasão de privacidade que são usados como método por Marks – assim como faz o próprio governo americano. Na segunda, mais comum, vemos reforçada a figura do cavaleiro solitário, o herói individual que tem uma missão a ser cumprida e não deixará detalhes como leis e protocolos criados por engravatados ficarem em seu lugar. “Eu estou aqui, você não”, diz o personagem de Neeson para seu superior em solo.

Esse simbolismo vem embalado, por outro lado, em um belo thriller de ação, tão esquecível quanto eficiente. Em parte pelo talento de Neeson, cada vez mais confortável em cenas de pancadaria, e ainda absolutamente convincente nos momentos dramáticos. Como em sua confissão pública, tão sentida quanto piegas, um pouco antes do filme chegar ao seu clímax. Sua parceira de cena, Julianne Moore, também não fica atrás nesse quesito, ainda que não chegue a dar sopapos em ninguém.

Jaume Collet-Serra, o diretor, que retoma a parceria com Neeson depois de “Desconhecido”, acaba usando a turbulência e confinamento do vôo como desculpa para boas sequências de luta, em que Marks briga de forma bem esperta, ainda que desesperada. Ao mesmo tempo ele abusa das tremidas de câmera, o que nos aproxima da ação.

Com tudo isso, quase dá para esquecer o defeito maior de “Sem Escalas” como filme. Não dá para assistir pela segunda vez, já que ficará gritante que o plano dos terroristas jamais poderia dar certo de verdade, considerando a quantidade de coincidências que seria necessária para dar certo. E, claro, como todo bom thriller de ação, o plano dá perfeitamente certo, até os últimos 15 minutos.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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