Park Chan-wook estreia bem no cinema americano com “Segredos de Sangue”

Em geral, quando um diretor com uma pegada extremamente autoral, vindo de outros países, faz sua estreia em Hollywood, a coisa não é boa. Walter Salles e seu “Água Negra” estão aí para provar isso. Mas essa não é uma regra e “Segredos de Sangue”, do coreano Park Chan-wook, é a evidência disso. Se você conhece sua “Trilogia da Vingança” (“Simpatia Pelo Senhor Vingança”; “Oldboy”; e “Lady Vingança”), bem como “Sede de Sangue”, vai reconhecer todas as marcas do diretor aqui.

Por “marcas”, entenda não apenas a violência como temática e seu uso gráfico, ou mesmo sua relação com família e sexo – e tudo isso misturado. “Segredos de Sangue” abusa de movimentos de câmera, enquadramentos e iluminação para ajudar a contar a história de uma forma tão própria que, em breve, deverão batizá-los em nome do diretor, à hitchcockiano, ou tarantiniano. E, mais impressionante, nada disso é gratuito. Cada maneirismo de Chan-wook só está ali para aumentar as possibilidades de significado da narrativa. E que narrativa.

India Stoker, papel de Mia Wasikowska, perdeu o pai em um acidente estranho. Mal volta do velório, sua mãe, interpretada por Nicole Kidman, lhe apresenta um misterioso tio, Charles, feito por Matthew Goode, de quem nunca ouviu falar. Isso lhe causa um incômodo duplo, porque não apenas ele vai morar com elas, mas, aos poucos, começa a seduzir sua mãe. Mas há muito mais segredos por trás dessa relação do que parece.

Parte do mérito é do roteiro, escrito por Wentworth Miller (o irmão mais novo de “Prision Break”, vejam vocês). Estão lá as reviravoltas e surpresas da trama. A outra parte fica com o elenco central: Mia, Nicole e Goode, que defendem seus personagens, todos estranhos e, ainda assim possíveis e reais, com unhas e dentes. Mas é a mão pesada de Chan-wook que faz a diferença no final das contas.

Atente para detalhes. Goode se esforça para não piscar quando está em cena, o que realça seus olhos azuis dando um ar de loucura ou demência para seu personagem, coisa que é potencializada pelo seu discreto sorriso. Partindo disso, note como, à medida em que India é seduzida, mesmo que muito relutantemente, pelo seu tio, seus olhos vão ficando mais azulados. O diretor usa, também, os diversos campos de profundidade, colocando a ação no fundo complementando o que está em primeiro plano. É quase um manifesto que nos diz: preste atenção.

O nome original do filme é o sobrenome da família, “Stoker”. Como verbo significa `atiçar`, mas também se relaciona com o sobrenome do escritor de “Drácula”, Bram Stoker. A relação não é casual, já que Charlie é uma versão atualizada do Conde que só queria um amor. India vira então Mina Murray, objeto de desejo. Chan-wook reforça esse signo, por exemplo, quando India, para se defender de um colega valentão, usa um lápis como uma estaca, da mesma forma que um eventual caçador de vampiros.

“Segredos de Sangue”, se não ficou claro no que está escrito acima, não é um filme para se entreter ao longo de duas horas. Assim como nenhum trabalho de Chan-wook. E se ele segura a onda em seus questionamentos existenciais, trocando apenas por algo como “é possível fugir de um imperativo natural?”, não quer dizer que haja menos substância em seu trabalho.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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