POP entrevista Vicente Amorim, diretor de “Corações Sujos”

POP entrevista Vicente Amorim, diretor de “Corações Sujos”

Aproveitando a estreia de “Corações Sujos” (confira a nossa resenha sobre o filme), seu mais recente trabalho, o diretor Vicente Amorim concedeu uma entrevista por e-mail para o Portal POP. Ele aborda questões como o trabalho de adaptação literária, ou como lidar com atores que falavam apenas japonês, além da Segunda Guerra Mundial como um tema que parece estar recorrente em seus trabalhos.

Você já trabalhou com texto original, em “O Caminho das Nuvens”, e com adaptação de uma peça, em “Um Homem Bom”. Quais os desafios de trabalhar com uma adaptação de um livro, especialmente de alguém tão reverenciado como Fernando Morais?

O maior desafio de adaptar o livro do Fernando Morais foi achar um recorte que remetesse ao que o livro e que fosse, portanto, fiel aos fatos históricos.  No livro há histórias sobre centenas de pessoas passadas ao longo de décadas e uma grande contextualização histórica: nomes, datas, etc. A simples transposição deste material para dentro de um roteiro daria como resultado um documentário, não um filme de ficção.  Personalizar a história e criar personagens que, embora fictícios, fossem coerentes em relação ao que aconteceu na colônia japonesa entre 1945 e 1947 foi nosso objetivo na adaptação. Nunca pensamos em tentar transpor ou aprofundar a história que Fernando Morais conta – isto é tarefa para historiadores e documentaristas -, mas tentamos criar uma história que, além de emocionante, servisse como reflexão para temas de então que são relevantes até hoje: intolerância, racismo,  fundamentalismo. Criamos personagens que têm existência própria, conflitos, subjetividade. Os fatos históricos são o contexto, não o objetivo, desta adaptação.

Como aconteceu a escalação do elenco japonês?

Ela começou um ano antes do início das filmagens e foi feita com a ajuda de um produtor de elenco japonês com grande experiência em filmes internacionais, Yutaka Tachibana. Eu precisava de bons atores, pois os personagens são complexos, e queria que fossem, também, conhecidos no Japão, pois intuia que o filme teria uma chance comercial por lá. Depois de meses de pesquisa e testes e entrevistas por skype (não havia dinheiro para eu passar este tempo no Japão), fechamos num elenco muito forte que além de ter experiência internacional (“Kill Bill”, “O Último Samurai”, “Cartas de Iwo-Jima”) era também de estrelas japonesas. A decisão mostrou-se correta:  além das atuações serem excelentes, o filme foi lançado no Japão com grande sucesso de crítica e público há menos de um mês.

Como foi trabalhar com um elenco japonês, sem ter a certeza da entonação e cadência das frases e palavras em japonês, além de nem sempre conseguir confiar em traduções?

Os diálogos foram traduzidos para o japonês por Yuki Ishimaru, uma escritora que havia feito o mesmo trabalho no “Cartas de Iwo-Jima”. O que ela fez foi muito mais do que uma tradução – ela adaptou os diálogos para o japonês falado nos anos 40 e eu e ela discutimos cada uma das falas.

Antes de começar a filmar, ensaiei durante quase um mês com o elenco, com a ajuda de uma intérprete. Sem estes ensaios eu não teria tido a confiança de que o que eu pretendia estava acontecendo da forma planejada. Nestes ensaios eu e os atores discutimos e experimentamos a ponto da “música” das falas se tornar natural para mim. Mas, é claro, tive que confiar que eles estavam fazendo o que eu pedia. Mas isto – a relação de confiança entre diretor atores – é parte de qualquer filme, em qualquer língua.

Algumas cenas têm mais função lírica que narrativa, simulando uma estética japonesa. Quanto do cinema japonês aparece em “Corações Sujos”?

O cinema japonês aparece em “Corações Sujos” de forma literal, através de algumas citações a filmes que me marcaram, e de forma subjetiva, intuitiva, por conta das referências com qual trabalhamos durante a preparação.

É a segunda vez que você trabalha com o impacto da Segunda Guerra Mundial, contando histórias mais pessoais. Há uma relação? Qual seria?

“Corações Sujos”, como projeto, precede “Um Homem Bom”, o filme com Viggo Mortensen que fiz passado durante a ascenção do nazismo. Topei fazer “Um Homem Bom” por causa do meu interesse pelo tema. Os filmes se completam. Um acaba quando a Segunda Guerra começa, outro começa quando a guerra acaba. Os dois tratam de escolhas individuais que se tornam definitivas, a pressão do grupo, os dois são thrillers éticos.

Quais as diferenças entre fazer um projeto internacional e um no Brasil? Qual prefere?

Quando se trata de um filme independente, como “Um Homem Bom”, não há muita diferença.  Há um pouco mais de grana, o que ajuda um bocado e, como o filme é falado em inglês, sua repercussão pelo resto do mundo é automática. Quero contar histórias que me toquem, sejam elas passadas no Brasil ou não.

Já tem algum novo projeto engatilhado?

Meu próximo filme deve ser o “Maria da Penha”, um thriller inspirado na história da mulher que deu origem à mais famosa lei contra violência doméstica do mundo.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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