Pouca inventividade compromete atualização da fábula João e o Gigante

É aquela coisa da trajetória do herói, que funciona em maior ou menor escala, desde “A Odisseia” até “Oz: Mágico e Poderoso”, passando por “Star Wars”. O difícil é tentar entender por que em um filme como “Alice no País das Maravilhas” a artimanha funciona perfeitamente – ao menos nas bilheterias – mas não neste nosso “Jack – O Matador de Gigantes” (que não foi bem lá fora e, ao menos aqui no Brasil, deve ser eclipsado por “A Hospedeira” e “G.I. Joe: Retaliação”).

“Jack – O Matador de Gigantes” vem na esteira de um certo `revisionismo das fábulas`, que envolveu “Chapeuzinho Vermelho”, “Branca de Neve”, “João e Maria”, em breve “Cinderella” e, agora, “João e o Pé de Feijão”. O fio da meada ainda é o mesmo, com Jack – que a distribuidora brasileira preferiu não transformar em João -, interpretado por Nicholas Hoult, trocando gato por lebre levando os feijões mágicos para casa, os derruba acidentalmente e acaba achando um caminho direto para a terra dos gigantes.

O que muda agora é que ele encontra antes com a princesa Isabelle, papel de Eleanor Tomlinson, que, na bagunça, se vê capturada pelos gigantes. Jack então entra em um grupo de resgate designado pelo rei, Ian McShane, liderado por Elmont, um nobre cavaleiro interpretado por Ewan McGregor, mas também composto por Roderick, papel de Stanley Tucci, um nobre com um monte de intensões escusas.

Como toda uma legião de heróis antes dele, Jack terá que se provar digno do amor da princesa, independente da origem humilde. Para isso ele passa por uma série de provações, que envolvem esperteza, bravura, humildade e pureza de alma. Com isso, meio que sem querer, ele vai ganhando a simpatia de todos à sua volta. Sua nobreza vem da alma, não de títulos hereditários.

Mas se temos uma fórmula testada e aprovada, atores bastante competentes e carismáticos, uma direção interessada, por parte de Bryan Singer, além de uma fotografia correta, apesar dos gigantes gerados por computação serem meio borrachudos demais para um mundo pós “Avatar”, o que deu errado?

A resposta simples pode recair em conceitos um tanto vagos como “carisma” ou “alma”. E tem um pouco a ver com isso. O roteiro de Darren Lemke, Dan Studney e Christopher McQuarrie, este último um velho parceiro de Singer, não atualiza a fábula original, não busca novas possibilidades dentro do conto ou entre as relações dos personagens. A história que vemos na tela é, em essência, a mesma que conhecemos dos contos dos Irmãos Grimm. Os personagens igualmente bidimensionais, mais notadamente os gigantes, que são feios, sujos, maus e ponto, não se sabe muito bem por quê. Falta coragem de colocar os personagens em um contexto humano com a qual nós possamos nos relacionar.

Isso fica muito evidente na sequência em que o grupo de resgate está na terra dos gigantes. Ao criar uma mitologia mínima para eles, o que envolve uma sociedade primitiva, ao invés de ser apenas um gigante, como na fábula, temos uma única possibilidade de inventividade. É também quando Jack se prova de maior valor se arriscando para salvar sua amada e companheiros. Tudo isso somado ao fato de que é quando Singer parece filmar menos burocraticamente nos dá, de longe, a melhor parte do filme.

Isso também poderia ser dito da boa sequência de abertura, se Guillermo del Toro não tivesse feito muito melhor antes em “Hellboy 2 – O Exército Dourado”.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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