“Questão de Tempo” celebra a aventura humana com toque de fantasia

No que deve ser a cena mais emblemática de “Questão de Tempo” Tim, personagem de Domhnall Gleeson – aqui como uma espécie de versão britânica e ruiva de Jay Baruchel -, tem a chance de `cometer um erro`. Mas veja, pela história do filme (já explico melhor), esse erro poderia ser cometido sem maiores consequências, de forma que apenas ele saberia. Ninguém mais. Mas ele opta por não cometer o erro porque fazer essa escolha apenas uma vez seria suficiente para que ele não conseguisse mais viver consigo mesmo.

É desses pequenos momentos brilhantes, jogados sem nenhuma cerimônia, que “Questão de Tempo” é feito. Tim, como fica sabendo pelo seu pai, o sempre classudo Bill Nighy, é um viajante no tempo, assim como todos os homens de sua família. Ele pode ir e voltar, tirando uma ou outra regrinha, em sua própria linha do tempo a seu bel prazer. Mas ao invés de nos trazer alguma história épica, Richard Curtis se contenta em abraçar uma trajetória mais mundana. Porque todo o que Tim quer é se apaixonar. Viver um romance. E sua habilidade será usada tendo isso em vista.

Curtis, contador de histórias habilidoso, como já demonstrou em “Um Lugar Chamado Nothing Hill” e “Simplesmente Amor”, usa essa pequena fábula de realismo fantástico para mergulhar na aventura do homem comum. Essa celebração, carregada de profunda carga emocional, vem embalada em um disfarce de comédia romântica, gênero cheio de armadilhas e lugares-comuns. O diretor e roteirista sabe disso e brinca com essa lógica.

Toda vez que a história de Tim está prestes a abraçar um clichê ela toma um rumo completamente diferente. É quase como se o que víssemos é a versão em que Tim voltou ao passado e refez da melhor forma, melhorando o diálogo, evitando tropeços. Assim como acontece várias e várias vezes ao longo da trama, com Tim tentando ajudar a si mesmo ou aos outros.

Tudo isso é ainda mais charmoso por conta da simpatia de Gleeson e da química não apenas com sua amada Mary, vivida por Rachel McAdams. Mas pelo carisma de todos os personagens, especialmente a adorável Kit Kat, sua irmã, e a simpática Mãe, vividas por Lydia Wilson e Lindsay Duncan. Ainda assim, o show é de Gleeson. O estranhamento de Tim, sua doçura e devoção à família e amigos criam um personagem único no cinema.

No fim, “Questão de Tempo” ainda faz questão de desenhar, se não estiver claro até então, sua moral da história – reafirmando seu espírito de fábula -, a parte mais importante da grande aventura do homem comum. Isso pode soar um pouco irritante, dependendo do quão exigente você é com as coisas que assiste no cinema. Mas tudo bem, é uma mensagem importante suficiente para merecer o tratamento didático.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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