Refilmagem de clássico terror B se leva a sério até demais

Um grupo de jovens sendo atacados por forças sobrenaturais em uma cabana que fica no meio de uma floresta é um mote recorrente do cinema de horror. Desde “A Noite dos Mortos-Vivos”, grande clássico de George A. Romero, até a subversão desse subgênero com “O Segredo da Cabana”, passando pelo trash-cult “Evil Dead – A Morte do Demônio”, dirigido por Sam Raimi. E é esse último que foi refilmado se tornando este nosso “A Morte do Demônio”. E, para fins de evitar confusão, vou me referir ao original apenas como “Evil Dead”.

A ideia aqui é levar a coisa um pouco mais a sério. Os jovens não estão lá para um final de semana de farra e sexo, mas sim para ajudar Mia, intepretada por Jane Levy, a passar por um processo de desintoxicação de seu vício em drogas. Entre o grupo de apoio está seu irmão David com sua namorada Natalie, além dos amigos Olivia e Eric, papéis de Shiloh Fernandez, Elizabeth Blackmore, Isabel Lucas e Lou Taylor Pucci, respectivamente. Aos poucos, pedaços da relação entre eles são jogados para o público, o que deixa claro que há um bocado de mágoa, especialmente em relação a David, que ficou afastado do grupo em momentos cruciais.

Um filme de terror, em seu centro mais essencial, é um conto moral. Em geral, os jovens são punidos por sua promiscuidade, levianidade, descaso com amigos ou, mais recentemente, abuso de drogas. Aqui o diretor, Fede Alvarez, ao almejar a seriedade, cria pecados mais sutis. David não esteve presente, Natalie foi quem o manteve afastado, Olivia é vaidosa (inclusive intelectualmente), Eric é curioso e pedante e Mia, a que é possuída – fazendo com que seus ataques sejam confundidos com síndrome de abstinência – é a carente. Como eles se importam uns com os outros, parte do castigo envolve ver os amigos se automutilarem, o que rende, talvez, as cenas mais chocantes.

Ainda que Alvarez tenha montado um jogo sutil no roteiro, ele não descarta o componente fortemente sexual. Não é de graça a forma como o demônio entra no corpo de Mia, nem mesmo como ela ataca Natalie. Tudo emulando violação sexual.

Infelizmente, todo esse interessante panorama, do ponto de vista da construção do roteiro, se perde um pouco por conta dos atores – e, mais ainda, da falta de capacidade de Alvarez de conseguir do seu grupo o que precisa. Em geral eles ficam perdidos em cena, abusando de uma dramaticidade caricata que, em geral, não parece representar o que eles estão vivenciando. Nas cenas em que está possuída, Jane até que se salva, ganhando certo destaque. Mas por pouco.

A primeira metade do filme é brilhante. A ambientação é perfeitamente soturna, com um interessante uso de sombras e da trilha para ir aumentando a sensação de tensão. Tudo é feito na base da sutileza, como pregam as melhores escolas do gênero. Mas aí, quando já não há dúvidas do componente sobrenatural do que eles estão enfrentando, o filme chega a mudar a paleta de cores para um vermelho vivo. São vísceras, mutilações e litros de sangue jogados em nossa direção. Tudo muito bem feito, claro. Mas nem parece o mesmo filme que estávamos vendo minutos atrás. Fica um sentimento que a coisa meio que se perdeu. Ainda assim, fãs de terror mais gore podem se divertir bastante com essas cenas.

As intensões de “A Morte do Demônio” são tão distantes das de “Evil Dead” que é até difícil chamar de refilmagem. É quase como se Alvarez tivesse apenas licenciado a marca criada por Sam Raimi para fazer seu próprio produto. O problema é que, depois de vermos “O Segredo da Cabana”, que escancara cada milímetro de clichês que são usados nesse gênero, parece que o melhor seria mesmo tentar fazer uma refilmagem mais honesta, com um ator tão pândego quanto Bruce Campbell e seu Ash do filme original.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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