Trash: A Esperança Vem do Lixo

Trash

Quando uma coisa é maquiada para parecer melhor em uma vistoria, aqui no Brasil, falamos que é “para inglês ver”. O que transforma Trash: A Esperança Vem do Lixo em uma espécie de piada pronta conceitual, já que dois ingleses, Stephen Daldry e Richard Curtis, diretor e roteirista respectivamente, resolveram fazer um comentário (superficial) sobre a miséria e a política brasileiras.

O filme acompanha Raphael, Gardo e Rato (Rickson Tevez, Eduardo Luís e Gabriel Weinstein), garotos que vivem e trabalham no lixão. Eles encontram uma carteira deixada por José Angelo (Wagner Moura) que contém a chave para desmantelar um esquema de corrupção. O que rapidamente coloca o policial Frederico (Selton Mello) em seu encalço.

O roteiro de Curtis é uma desculpa para passear pelas diferentes paisagens do Rio de Janeiro, por que a carteira de José Angelo leva os três garotos para uma caçada ao tesouro à medida em que uma pista leva à outra. O lixão, as favelas, os presídios, o sistema de transporte e as distâncias absurdas entre a periferia e os bairros ricos (com as melhores praias) estão todos lá. Essas questões, porém, nunca chegam a ser problematizadas, com os lugares mais servindo de cenário do que de sendo de fato necessários à história.

Nisso se destacam o trio central, o que não chega a ser uma grande surpresa, considerando que o primeiro trabalho de Daldry foi com Billy Elliot (2000). Ele sabe dirigir bem as crianças e arranca delas atuações convincentes, com um ou outro momento mais forçado, como nas intervenções mais ou menos documentais dos garotos contando sua própria história para a câmera.

O mesmo não se pode dizer do resto do elenco. Mello até que se esforça, mas não tem muito com que trabalhar. Moura, que tem um pouco mais de material, se salva por pontos. Já Martin Sheen e Rooney Mara, um padre gringo e uma voluntária que trabalham no lixão, só estão lá por que americanos precisam de rostos conhecidos para convencê-los a ir ao cinema – ainda que o veterano tenha lá seus bons momentos.

Como thriller, Trash funciona melhor do que como comentário social. A desculpa, por exemplo, para as crianças conseguirem fugir da polícia envolve basicamente a forma como eles se movimentam pela cidade. Não há muita diferença entre calçada, muro e telhado para eles, como fica claro na sequência de perseguição que acontece em uma favela – que parece um condomínio de luxo perto da situação do lixão.

Daldry homenageia Cidade de Deus (2002) sem medo. Para se ter uma ideia Trash já começa com um garoto com uma arma na mão prestes a atirar em alguém, com a câmera de baixo para cima apontando para ele, emulando a visão da suposta vítima, o que já é um enquadramento icônico do clássico de Fernando Meirelles e Kátia Lund. Evocar um dos maiores filmes brasileiros, porém, acaba depondo contra, já que o resultado é muito inferior em um projeto que almejava efeitos semelhantes.

Todos os defeitos seriam perdoáveis se no final Trash: A Esperança Vem do Lixo não resolvesse ser tão desnecessariamente panfletário. O esboço de comentário social se transforma em discurso. Pior: um discurso superficial e quase deslocado, se apoiando no espírito das manifestações do meio do ano passado. O resultado é “para brasileiro ver”.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

5 de comentáriosDeixe um comentário

  • O filme tem vários problemas realmente mas eu até que me diverti assistindo ele. Tirando o discursinho final e a cena do cemitério até que gostei do filme.

  • Oi Luiz.

    Bem bacana sua crítica. Fomos ao cinema sábado, e confesso que tinha muita expectativa com relação ao filme (tenho que parar de fazer isso) por causa do diretor.

    Mas, ai que decepção. É um emaranhado de cliches da fotografia ao roteiro, que aliás pede muita suspensão de descrença. O terceiro ato é de se contorcer na poltrona. (O que é a menina no cemitério? Wtf?)

    Enfim… vou rever Billy Elliot pra restaurar minha fé no Daldry.

    • Obrigado Carol.

      Eu perdi a fé no Daldry em O Leitor. Acho tanto o livro quanto o filme terríveis. O Tão Forte, Tão Perto ainda se salva por pontos, mas não é nada espetacular.

      Ainda tinha alguma esperança nesse por conta do roteiro do Richard Curtis. Uma pena que não vai pra frente. E pior: nem pra ter uma cena de diálogo bacana entre o Selton e o Wagner, né?

      Melhor rever Billy Elliot e As Horas mesmo.

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