“Uma Família do Bagulho” é cheio de boas piadas

Vez ou outra uma comédia americana surpreende a ponto de ser bem engraçada. Foi o caso de “Porks”, “Quem Vai Ficar Com Mary”, “American Pie”, de “Penetras Bons de Bico” e de “Se Beber, Não Case!” e de tantas outras. Ainda é cedo para dizer se “Uma Família do Bagulho” tem potencial para tanto, especialmente no Brasil que foi brindado com esse título que força um pouco a amizade – e seu péssimo trocadilho auto-referêncial diz mais sobre as distribuidoras nacionais do que sobre o filme. Mas que há potencial, há.

A ideia aqui é fazer uma mistura de “Férias Frustradas” com “Queimando Tudo” – apelidado carinhosamente no Brasil de “Cheech e Chong”, pura e simplesmente, valendo o mesmo para todas as cinco continuações. O foco é em David Clark, papel de David Sudeikis. Ele é um traficante de maconha peixe-pequeno que perde suas economias em um roubo. Para pagar o que deve, aceita trazer um carregamento do México para os EUA. Mas, para isso, há o risco de ser pego na fronteira.

A solução – que é até bem inteligente, se você parar para pensar – é montar uma `família`, com ares tipicamente americanos (brancos, classe média alta, quatro integrantes, felizes de um jeito meio psicótico), que irá passar desapercebida pela fronteira. Para isso ele chama seus vizinhos, uma stripper e um garoto cuja inocência beira problemas mentais, além de uma moradora de rua, interpretados por Jennifer Aniston, Will Poulter e Emma Roberts, respectivamente, para montar os Millers.

Todos eles são desajustados que, ao longo da viagem, irão notar como ser integrantes de uma família estruturada era tudo o que faltava para eles. Essa mensagem de fundo moralizante pode ser um pouco incômoda em tempos que se pretendem (ou que deveriam ser) mais libertários. A coisa se balanceia um pouco com as próprias piadas que roteiro faz com os clichês das famílias americanas – a cena em que David descreve como deve ser seu corte de cabelo resume bem isso – e com a presença dos Fitzgerald, interpretados por Nick Offerman, Kathryn Hahn e Molly C. Quinn. Eles são, de verdade, o que os Miller querem fingir ser.

Nesse sentido, é até engraçada a escalação de Sudeikis para o papel central. Seu tipo físico se encaixa muito melhor na caracterização de pai de família típico do que de traficante. Especialmente porque, antes de fazer sua transformação ele se limitava a usar roupas mais despojadas e não se preocupar muito com o corte de cabelo. Mas, por sorte, ele passa a maior parte do tempo fingindo ser o pai de família.

Assim como as comédias citadas do primeiro parágrafo, “Uma Família do Bagulho” não tem medo de levar suas piadas para próximo de um limite, mas evitando, na maioria das vezes, cruzar essa linha. É quase sempre, engraçado, ver como eles brincam com o fato de serem, potencialmente, a família mais desajustada de todos os tempos – já que não são uma família no sentido estrito da palavra.

Quem tiver o ouvido afiado para o inglês ainda pode se deliciar com o mar de referências e pequenas piadas dos diálogos, que se perdem um pouco na legenda. E nem é que a tradução brasileira tenha ficado ruim, são apenas diálogos ditos de forma muito rápida para serem lidos se fossem mais literais. É como se, no fundo, os roteiristas simplesmente deixassem de lado conceitos limitadores como a noção de politicamente correto ou incorreto, se atendo ao que é potencialmente engraçado ou não. E que fique a lição.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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