“Universidade Monstros” foge da mesmice ao pegar o caminho mais difícil

“Universidade Monstros” tinha tudo para ser apenas correto, especialmente dentro do histórico da Pixar – “Wall.E”, “Toy Story”, etc. Engraçado, claro. Charmoso, sem dúvidas. Mas quando ele transforma seu clímax em um anti-clímax, estendendo a narrativa e pervertendo uma previsível lição de moral – porque as animações substituíram as fábulas como formadoras morais das nossas crianças -, ele se torna algo um pouco mais interessante e importante do que um blockbuster de meio de ano.

A brincadeira começa centrada em Mike, o simpático monstro que é praticamente um olho com braços e chifrinhos. Ele deseja, acima de tudo, se tornar um assustador, o tipo de monstro que entra nos quartos das crianças para arrancar delas um grito, que é principal fonte de energia de sua sociedade. Ele então decide, ainda um monstrinho, entrar para a Universidade Monstros, que é o lugar certo se você quer estudar para ser um assustador. Mas já no primeiro dia, quando entra em cena um tal de Sully, gigantesco e com um dom natural para assustar crianças, fica claro que não vai ser tão fácil assim.

O que se tem, então, é uma reedição de praticamente qualquer comédia que se passa em escolas ou universidades, até porque a maioria delas bebe de “A Vingança dos Nerds”, por motivos óbvios. Um grupo completamente despreparado e desajustado se junta para vencer uma competição, o que garantiria a Mike e Sully o reconhecimento que buscam. Nesse aspecto, os dois representam dois lados de uma mesma moeda, o que é explicitado à exaustão ao longo do filme: Mike é o cérebro, dedicado e estudioso, enquanto Sully é o talento puro, que se contenta em ser basicamente o que sempre foi, sem muito esforço.

Mas é aí, no meio de todos os clichês, quando o filme está se tornando apenas agradável e inofensível, que a trama resolve dar uma bela reviravolta. Não cabe detalhar, porque estraga algumas surpresas. O ponto é que o filme acaba trazendo uma lição valiosa e alinhada com o momento sócio-cultural americano. Basicamente, o que o filme diz é que, às vezes, não basta ter talento predestinado, ou mesmo se esforçar bastante. Às vezes simplesmente não dá e a única alternativa é começar de baixo, percorrendo o caminho mais longo.

A quebra de paradigma em relação à cultura americana é tremenda. Todo o cinema é construído pela ótica do herói, pela ótica daquele que não apenas percorre o caminho mais curto, como é o que lhe é simplesmente mais natural. Nem lhe passa pela cabeça sofrer as agruras que os meros mortais passam. Os heróis do cinema americano não apenas sentam na janelinha, como ainda recebem jantar de primeira em bandeja de prata. O que, definitivamente, não acontece em “Universidade Monstros”.

O filme ainda partilha do pacote básico da Pixar, que é a apresentação de um mundo tão fantástico quanto inventivo e bem trabalhado. Conhecemos, aqui, uma miríade de monstros, todos com aquele design divertido, que parece tirado dos rabiscos do quarto de uma criança de cinco anos. Ao mesmo tempo, isso dá espaço para uma série de piadas visuais que pipocam na tela a cada instante. Como eles são absolutamente disformes, é possível brincar o tempo todo com isso.

A cereja do bolo fica com a inversão de personalidades. O Sully que conhecemos adulto e consciente, foi um jovem valentão. O Mike, que em “Monstros S.A.” é engraçadão e piadista, aqui é um belo de um nerd. E Randy, vilão do segundo, aparece absolutamente simpático e tímido em “Universidade Monstros”.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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