Zoolander 2

Zoolander 2

O evento definidor do século XXI para a cultura norte-americana foi o atendado terrorista às Torres Gêmeas. O primeiro impacto cultural chegou já ao final daquela mesma semana quando Zoolander (2001) afundou nas bilheterias. Não havia clima para assistir a uma comédia, ainda mais uma que exigia a compreensão de que o humor vinha da construção do estereótipo e não do estereótipo em si. Ao longo dos últimos 15 anos, porém, a cultura hipster de consumo irônico transformou Zoolander em um clássico cult, viabilizando uma continuação. Mal sabiam os fãs que eles se tornariam o principal alvo da sequência que tanto almejaram.

Zoolander 2 (2016) é menos um filme coeso do que uma colagem de ataques culturais em sequência. O mundo da moda, e o contraste entre o que significa o glamour do início dos anos 2000 e o de agora, está no centro da narrativa, mas os tentáculos se expandem para diversos outros campos. Começando pelo próprio 11 de setembro, que ganha uma versão bizarra na história com o famigerado Centro Zoolander Para Crianças que Não Sabem Ler Bem e Querem Aprender a Fazer Outras Coisas Bem Também entrando em colapso, matando Matilda (Christine Taylor), a esposa de Derek Zoolander (Ben Stiller), e deformando Hansel (Owen Wilson), seu antigo rival e companheiro no mundo da moda do primeiro filme.

Se nem o 11 de setembro é sagrado em Zoolander 2, que dirá seus alvos preferenciais: a cultura das celebridades, a afetação hipster, a loucura com a exposição em redes sociais, a hiper-valorização da moda e o culto ao corpo. Não há perdão ou misericórdia. Justin Bieber é assassinado na sequência de abertura e morre fazendo uma selfie; há uma divisão da Interpol e uma prisão para crimes de moda, como a calça saruel e as ombreiras; Tudo (Benedict Cumberbatch), o personagem trans(sem?)gênero, está mais interessado em causar desconforto nas pessoas à sua volta do que em expressar sua sexualidade.

Todos estes ataques são formas diferentes de abordar a nossa contemporaneidade. Desde o politicamente correto de fachada – ofensivo, portanto – até a estupidificação da cultura hegemônica, ainda pior do que no começo dos anos 2000. Por isso é importante a/o personagem de Cumberbatch, ou a relação conflituosa de Hansel com A Orgia, ou ainda Derek e seu filho acima do peso. O humor não está na superfície da piada – de que não-gênero, pan-sexualidade ou gente gorda são engraçadas por natureza –, mas sim na reação dos outros personagens, de estranhamento ou aceitação imediata por conflito ou determinação cultural, respectivamente. O que é um jeito metido a besta de dizer que a piada está em relação ao que o público decide rir ou não.

O conflito de Hansel é um bom exemplo de como Zoolander 2 trabalha estas questões. Ele se relaciona com A Orgia, um grupo de pessoas e animais – incluindo Kiefer Sutherland – que exige dele uma fidelidade tipica de um relacionamento afetivo heteronormativo, o que é divertidamente contrária à própria noção de amor livre inerente a uma orgia. O pobre personagem de Wilson nem pode curtir uma noite de loucuras com um outro grupo sexualmente livre (incluindo Ariana Grande, Willie Nelson e Christina Hendricks, porque o desfile de celebridades é uma piada recorrente) que A Orgia chega para bater em sua porta.

Por isso a maior parte das piadas se dirige à hipocrisia e contradição da cultura hipster, que acha tudo o que consome uma droga e por isso é sensacional, discurso que deixa Derek e Hansel ainda mais atordoados. Zoolander 2 é o correspondente comédia escrachada a Enquanto Somos Jovens (While We’re Young, 2014). Os personagens centrais nos dois filmes, ambos vividos por Stiller, são homens mais velhos que querem fazer parte dessa nova juventude que se impõe menos regras e parece absorver e aceitar tudo. Mas logo fica claro que há algo de falso entre eles. Que a filosofia não vai além do discurso vazio e de uma cosmética simplória.

A nova aventura de Derek Zoolander é tão auto-consciente quanto seu antecessor. Se no primeiro a estrutura do roteiro vinha dos thrillers de espionagem dos anos 70, herdeiros da tradição hitchcockiana de colocar um homem comum no centro de uma grande conspiração – no caso: o mundo da moda é responsável pelos maiores crimes e atentados desde o assassinato de Abraham Lincoln –, neste a trama se volta para o estilo europeu do mesmo gênero, se aproximando mais dos clássicos de James Bond ou mesmo de comédias como A Pantera Cor-de-Rosa (The Pink Panther, 1963). Não há coincidência ou acidente nas relações, já que Zoolander 2 é fruto da parceria entre Stiller e Justin Theroux, que já haviam avacalhado toda a estrutura do cinema hollywoodiano em Trovão Tropical (Tropic Thunder, 2008). Este último, porém, tinha piadas mais fáceis de serem digeridas.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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