“Gravidade” é mais do que mera ficção científica

Gravidade

De tempos em tempos, um filme consegue, por motivos e caminhos misteriosos, se destacar da mesmice hollywoodiana. São desses raros encontros entre uma narrativa poderosa e imagens estonteantes, combinadas com atuações convincentes, ritmo, trilha, e muitas outras questões que são ora técnicas, ora estéticas, ora tudo isso e mais. Filmes que justificam todo o aparato da sala de cinema, além da parafernália dos últimos anos: 3D, IMAX e sistema de som anabolizado.

“Gravidade” é um desses.

Tudo começa em um plano sequência (cena sem cortes) que já garantiu seu lugar na história do cinema, de tão bonito e impressionante. É quando conhecemos Matt Kowalski e Ryan Stone, os cosmonautas vividos por George Clooney e Sandra Bullock. Eles estão em uma missão para instalar um novo sistema no Hubble, até que um acidente os faz mergulhar no vazio do espaço. É aí que entra a tensão narrativa, com a ameaça da falta de oxigênio, de uma nova onda de impacto, de mergulhar no infinito espacial, de congelar ou derreter, dependendo de onde se esteja em relação ao Sol. Morrer só, afinal.

O terror dos cosmonautas é potencializado pelos recursos técnicos. Ver no IMAX em 3D nos deixa tão solitários ou tão claustrofóbicos quando os personagens. O ritmo da edição e a trilha, combinada com respiração ofegante e desesperada de Sandra, são elementos mais do que suficientes para te colocar colado na cadeira do cinema, de tanta tensão.

Parte dos motivos de que “Gravidade” é um filme acima da média, além das questões estético-narrativas, está em todas as camadas de significado que ele possui. E é por isso que deve agradar tanta gente. Na superfície é um filme sobre sobrevivência, sobre o mergulho no desconhecido, coisa com que qualquer pessoa consegue se relacionar. Mas, ao mesmo tempo, é possível ir cavando mais fundo e encontrar novas possibilidades, novas metáforas.

É diferente de “2001: Uma Odisseia no Espaço”, filme com o qual “Gravidade” será mais comparado. O primeiro, criação máxima de Stanley Kubrick, não facilita para o expectador, que precisa remar contra a narrativa e poética das imagens – especialmente no último terço, menos literal. Aqui não, a coisa é tratada de forma suave e o existencialismo só está lá para quem quiser ver. Para quem estiver disposto a decifrar as metáforas.

Há, por exemplo, a ideia de renascimento, mais notadamente do personagem de Sandra. Cada vez que ela escapa da morte, Alfonso Cuarón, o diretor, dá um jeito de trabalhar a imagem de um novo nascer. Note como ela se liga à Kowalski através de um cabo que faz às vezes de um cordão umbilical, ou como o módulo espacial funciona como metáfora visual para um ovário. Em uma das mais bonitas, ao escapar do traje espacial, que a está sufocando, ela se mantém em posição fetal, na gravidade zero, enquanto um facho de luz a envolve.

Cuarón abre, com isso, um paralelo interessante em relação ao seu último (e ótimo) filme, “Filhos da Esperança”. Se neste vemos um mundo em que ninguém mais nasce, em “Gravidade” acompanhamos a luta pela sobrevivência, representada por um renascer contínuo.

Texto publicado originalmente no Portal POP.

 

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.