Ficção científica com calma

Os produtores de Tales From the Loop, nova série do Amazon Prime, falam sobre o processo criativo de adaptar pinturas para a TV

Tales From the Loop, nova série do Prime Video, o serviço de streaming da Amazon, era um livro. Até aí nada particularmente fora do usual de muitas outras narrativas audiovisuais que existem aos borbotões espalhadas pelas diferentes plataformas de vídeo. O que há de diferente é que o livro de Simon Stålenhag não é narrativo, mas sim uma coleção de pinturas em que paisagens bucólicas, suburbanas ou rurais, da Suécia se combinam em curiosa harmonia com elementos de ficção científica. Essas imagens chamaram atenção de muita gente, entre elas Nathaniel Halpern.

“Acho que, como a maioria das pessoas, eu fiquei impressionado com essa estética única e a qualidade do trabalho de Simon. Esse casamento entre o ordinário e o extraordinário. Além de tudo isso tem uma emoção pungente nas pinturas e que me afetou”, disse Halpern em entrevista por telefone, completando que “a ideia de adaptar pinturas em um programa de televisão era maravilhosamente única e eu abracei a oportunidade de fazê-lo”.

Halpern, que assumiu a produção executiva da série, já tinha alguma experiência com narrativas fantásticas. Muitos dos episódios de Legião, por exemplo, a surreal e lisérgica série levemente baseada no universo Marvel, foram escritos por ele. Mas Tales From the Loop deveria ter um tom radicalmente diferente da maioria das outras séries de TV.

Mark Romanek, responsável pelo episódio piloto, recebeu o roteiro do amigo e também diretor Matt Reeves – produtor da série, mas no momento mais envolvido com a direção The Batman, estrelado por Robert Pattinson. “Era um dos melhores roteiros que eu já li na vida, seja televisão ou cinema. Não tinha razão para que eu não ficasse completamente empolgado com isso”, revelou Romanek em entrevista também feita por telefone.

O casamento não poderia ser mais apropriado. Romanek é, afinal, o diretor de Não me Abandone Jamais, filme de 2010 que adapta a obra de Kazuo Ishiguro. A história se passa em um futuro próximo e acompanha uma casta de “cidadãos de segunda categoria”, cuja única função é servir de fonte de órgãos para serem transplantados para os mais ricos. O tempo é suspenso porque a vida dos protagonistas está suspensa. “Quando você olha para o trabalho de Simon, para as pinturas, isso não parece um mundo rápido, tudo parece muito rígido. E isso se relaciona com o meu gosto e o de Mark”, conta Halpern, depois de ter admitido ser um grande fã de Não me Abandone Jamais.

Romanek concorda: “O que foi muito ditado por Nathaniel e eu estava empolgado em saber se a gente poderia emular um certo ritmo, que não é o ritmo que a maioria dos programas de TV tem”. Para além da influência do trabalho de Stålenhag (também produtor executivo da série), o que chama atenção em Tales From the Loop é justamente a cadência, sensivelmente mais lenta. De programas de televisão contemporâneos, eles concordavam que não queriam que o produto se parecesse com Star Trek ou Stranger Things, em que a tecnologia tem esse caráter agressivo e tudo acontece muito rápido e com muito barulho.  Ou, como diz Halpern, “o visual da série é muito fiel às pinturas do Simon. O que é pouco usual é como a ficção científica é tratada como se fosse banal e não como um brinquedo brilhante”.

As referências mencionadas tanto por Halpern quanto por Romanek foram Ingmar Bergman, Krzysztof Kieślowski e Andrei Tarkovsky – “ainda que nós nunca usássemos esses nomes nas reuniões com o estúdio”, diz Romanek rindo. Curioso que os três diretores tenham obras relativamente herméticas, ainda que preciosistas com o visual e com o andamento de seus filmes, e que, talvez não coincidentemente, Bergman e Kieślowski também tenham trabalhado em produções para televisão.

Forma e conteúdo

Como não havia uma narrativa que estivesse ligando os quadros de Stålenhag, Halpern optou por abraçar o modelo de série de antologia, em que cada episódio conta uma história com início meio e fim – assim como Black Mirror ou Além da Imaginação. Ou, ao menos, em partes, já que todas as histórias de Tales From the Loop se passam na mesma cidadezinha do interior dos EUA. A diferença é que no subsolo há esse centro de pesquisa, o Loop, que causa toda sorte de distorções tempo-espaciais na cidade. Os efeitos destes pequenos acidentes são explorados em cada episódio.

Assim, temos uma criança que encontra com sua versão adulta, ou um jovem que é transportado para outro universo e encontra consigo mesmo, ou ainda um episódio em que toda a tecnologia do mundo não é suficiente para vencer a morte, destino de todo ser vivo. Ao mesmo tempo que cada trama é única, vemos personagens que protagonizaram um capítulo aparecerem em outro como coadjuvantes e vice-versa. É, inclusive, isso o que mais faz lembrar o trabalho de Kieślowski, que interconectou brilhantemente as vidas das três personagens de sua icônica Trilogia das Cores.

O senso de unidade é dado pelos personagens que reaparecem, mas também pelo uso das pinturas originais como um norte estético. “Quando você olha para as pinturas, cada uma delas reseta um senso de deslumbramento, tem sempre um elemento de ficção científica em um ambiente ordinário. E eu fiquei pensando, ‘como posso manter esse deslumbramento vivo?’ Se em cada episódio o público ficar confortável demais essa sensação pode se esvair, mas se for um elemento novo em cada hora, o deslumbramento se renovaria”, conta Halpern.

Ao abordar um universo tão rico, a preocupação é manter esse balanço entre coerência e originalidade, especialmente pelo time de diretores que assumiram os episódios. “Cada episódio tem suas exigências próprias, que talvez não estejam óbvias nas obras de Simon, então você tem que conectar alguns pontos”, comenta Romanek. Daí a presença de Jodie Foster (sim, a atriz, mas que vem dirigindo desde o começo dos anos 90) e Andrew Stanton, conhecido pelos filmes da Pixar, como Wall.e ou Procurando Nemo. Além deles, alguns queridinhos do circuito independente, como Charlie McDowell e So Yong Kim.

Por estar na produção executiva e ter dirigido o piloto, Romanek foi o responsável por estabelecer o visual de Tales From de Loop. Isso significa dizer para os outros diretores “aqui estão algumas das regras que precisamos ter ou um guia em relação à paleta de cores ou lentes que o show pode usar, a maneira como a câmera se move”, por exemplo. E completa, porém, dizendo que “se queremos um diretor talentoso e maravilhoso, como Jodie Foster ou Andrew Stanton, eles vão trabalhar dentro destas restrições, mas se eles sentirem que querem colocar sua marca em algum lugar, ou quebrar alguma regra em benefício da série, eles não apenas têm permissão, como também são encorajados a fazer”.

Publicado originalmente na edição impressa da Gazeta do Povo.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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