O maior pecado de Trumbo – Lista Negra (Trumbo, 2015) é estar muito aquém do talento de seu biografado, o roteirista Dalton Trumbo (Bryan Cranston), responsável por grandes clássicos hollywoodianos como A Princesa e o Plebeu (Roman Holliday, 1953), Spartacus (1960) e Johnny Vai à Guerra (Johnny Got His Gun, 1971) este seu único crédito como diretor. Falha como biografia ao não se decidir entre o drama familiar, a comédia de bastidores de Hollywood e o comentário social, ainda que seja relevante por conta deste último.
Em seus melhores momentos Trumbo é um filme sobre como o fascismo está à espreita em cada esquina usando sua melhor fantasia: a patrulha ideológica. Nos anos 40 e 50 a paranoia anti-comunista ganhou corpos e rostos com o comitê de atividades anti-americanas, nascido da impossibilidade de muitos líderes políticos conseguirem enfrentar um pensamento diferente do seu próprio. Dalton Trumbo e nove de seus colegas roteiristas que se posicionavam em diferentes pontos do espectro do pensamento de esquerda foram perseguidos por isso, chegando a serem presos e ficando sem trabalho, já que nenhum estúdio poderia arcar com o possível boicote por empregar alguém da Lista Negra.
Não há grandes metáforas ou significados, o que faz de Trumbo um filme que não busca a transcendência da grande arte. Este é seu trunfo e sua derrota. Vivemos tempos de intensa patrulha ideológica. Nos EUA a paranoia mudou o foco do comunismo e agora recai sobre terrorista, muçulmano ou árabe, tudo misturado na cabeça do americano médio. Aqui no Brasil vemos pessoas se acusando de ‘petralha’ e ‘coxinha’ sem se abrir para o diálogo que poderia, de fato, criar uma sociedade melhor – além de ficar mais e mais claro que nenhum dos lados leu nem Karl Marx, nem Adam Smith. O fascismo, Trumbo nos lembra, é a recusa ao diálogo, a recusa a aceitar o diferente.
O que nos EUA se torna hipocrisia. O país da liberdade é o país que prendeu e perseguiu uma de suas grandes mentes ao invés de promover o franco diálogo. A hipocrisia está na noção fordista de liberdade – de poder escolher carros de qualquer cor, desde que seja preto –, o que leva à ironia de se ver obrigada a celebrar a carreira de Dalton Trumbo, ainda que não reconhecendo seu nome. Ele ganhou dois Oscars de melhor roteiro, por A Princesa e o Plebeu e por Arenas Sangrentas (The Brave One, 1956), mas só os recebeu anos depois.
Ironia maior ainda é a constatação de que a perseguição não atende ao próprio ideal capitalista. Diretores e estúdios sem material bom para as cenas começaram a produzir fracassos. Curiosamente, o mesmo ânimo para boicotar filmes envolvendo comunistas não era revertido em apoio para alavancar as bilheterias de produções com selo de aprovação do comitê de atividades anti-americanas.
Se Trumbo é um filme literal, o que sobra depois do alerta aos perigos da patrulha ideológica é o anedotário. Figuras como a colunista ferina Hedda Hopper (Helen Mirren), responsável por ascensão e queda de muitas carreiras; o mítico conservador John Wayne (David James Elliott), o Duke; o produtor de filmes B Frank King (John Goodman), que contrata Trumbo sob pseudônimo com a garantia de um mínimo de qualidade; e o senador J. Parnell Thomas (James DuMont), predecessor de Joseph Mcarthy na perseguição aos comunistas que acaba preso por fraude, entre tantos outros aparecem com destaque.
Claro, a figura realmente mítica que emerge é o próprio Trumbo recriado por Cranston: seu bigode, beicinho, mania de escrever na banheira e um dom par transformar qualquer conversa banal em um épico dramático – mania considerada irritante por Arlen Hird (Louis C.K.), personagem fictício que combina cinco dos famigerados 10 de Hollywood, os primeiros roteiristas que entraram na Lista Negra – dão vida a um filme que, de outra forma, seria banal. Trumbo seria um filme menor sem um ator tão grande.