Texto cheio de spoilers.
“Sangue do Meu Sangue”, tradução do título original do episódio, o sexto da sexta temporada, mais do que dar um norte para os diferentes seguimentos, é um tema comum para toda a saga de Game of Thrones. As questões familiares, de sangue, portanto, são causa ou consequência da maior parte dos conflitos Westeros afora. Mas, talvez pela evocação do título, são justamente as relações de sangue que ficam no centro de cada uma das passagens.
Dentre elas, porém, a mais interessante talvez seja a mais sutil. Arya Stark (Maesie Williams) interrompe seu caminho em direção ao Deus das Muitas Faces ao deixar de cumprir um assassinato. Fala mais forte a honra Stark do que o treinamento ou a vontade de se tornar uma assassina. Uma morte precisa ser justa para acontecer, e não apenas encomendada, como reza a ética da Casa Branco e Preto. É possível que a peça vista no episódio anterior, que relembra os eventos das primeiras temporadas, mas ridicularizadas pela memória popular e coletiva, tenha feito a jovem repensar.
Há, afinal, duas guerras acontecendo em simultâneo. Uma pelo trono de ferro, que envolve as batalhas e mortes – e o sexo e a nudez. E outra por deixar um legado em Westeros, como foi abordado no texto sobre The Door, o capítulo anterior. Ao ver que a memória de Ned Stark (Sean Bean) foi vilipendiada pela peça sobre os mais recentes acontecimentos políticos, Arya sentiu que ela também não poderia fazer o mesmo. Se ao único personagem altruísta da trama não coube a preservação da memória e dos feitos junto ao povo, que lhe restasse a honra familiar então. Seus descendentes, o sangue de seu sangue, são o único legado possível.
As demais passagens são menos sutis. Bran Stark (Isaac Hempstead-Wright) é salvo pelo tio Benjen (Joseph Mawle); Walder Frey (David Bradley) enquadra os filhos pela perda de Riverlands e relembra o sangrento Casamento Vermelho; e Samwuel Tarly (John Bradley) escolhe a família que formou em detrimento de seus laços de sangue. As outras duas, de King’s Landing e no Mar Dothraki, merecem um olhar mais atento pelas possíveis consequências.
Há, em primeiro lugar, uma questão técnica curiosa. Normalmente os episódios de Game of Thrones abrem e fecham com a trama de Daenerys Targeryan (Emilia Clarke) ou de Jon Snow (Kit Harrington), com as demais linhas narrativas fazendo apenas uma única aparição. Mas, dessa vez, a trama de King’s Landing se alternou com a de Sam, criando uma curiosa quebra de ritmo. Tudo indica que seja uma primeira mudança para nos acostumar com um ritmo mais frenético que deverá ser adotado de agora em diante. Afinal, está na hora destas narrativas começarem a se cruzar novamente.
Mas o mais importante aqui é a relação próxima entre a Fé Militante e o Trono de Ferro, tornando High Sparrow (Jonathan Pryce) a figura mais poderosa de Westeros depois do Rei Tommen (Dean-Charles Chapman), que solidifica a relação para salvar sua esposa, contrariando sua mãe – ao mesmo tempo em que exila seu pai/tio, que tomará seu lugar nas batalhas do Norte. É o abraço entre religião e estado que se desenhava desde o começo da temporada passada, minando de vez o poder formal de Cersei (Lena Headey) junto a seu filho. Como a coroa precisa do apoio financeiro e militar dos Tyrell, traídos em parte pela manobra, é possível pensar em um enfraquecimento das defesas de King’s Landing.
Por fim consideremos aquela que foi a nova cena final de Daenerys gritando para uma multidão de guerreiros. Ela se estabelece cada vez mais como uma espécie de divindade, servindo como mãe de todos os que lhe seguirem – imagem que permite severidade quando seus súditos lhe faltam. Na condição de última Targaryen, só lhe resta fazer de todos o sangue de seu sangue, estendendo o afeto que sente pelos seus dragões, seus filhos de fato, a todo o reino que quer conquistar, confundindo a memória popular com a familiar, garantindo assim seu legado. A chave está na reciprocidade, algo mais complexo de se conseguir do que os mil navios que precisa agora.