Em geral é injusto com um filme fazer comparações com a obra literária que lhe deu origem. Mas quando se trata de um livro tão importante e com tantos méritos quanto “O Grande Gatsby”, de F. Scott Fitzgerald, um dos maiores romances americanos do século 20 (em minha modesta opinião), a injustiça é com o livro. E, considerando que em todo um mundo de histórias de amor em que Baz Luhrmann poderia se apoiar para fazer seus exercícios de estilo ele resolveu escolher justamente a história de Jay Gatsby, a responsabilidade da injustiça fica com o diretor.
“O Grande Gatsby” falha miseravelmente enquanto adaptação. Claro, os elementos básicos ainda estão lá: a ambição de Gatsby, papel de Leonardo DiCaprio, que ama loucamente Daisy, interpretada por Carey Mulligan, casada com Tom Buchanan, feito por Joel Edgerton. Tudo narrado e observado por Nick Carraway, defendido por Tobey Maguire, em meio às festas insanas que Gatsby dá para atrair seu amor. Mas a essência da história, a sutileza de Fitzgerald ao fazer uma dura crítica às elites endinheiradas do começo do século passado nos EUA, se perde em meio aos arroubos de estilo de Luhrmann.
Nesse sentido é como se esse filme fosse uma espécie de anti “Anna Karenina”, em que todos os maneirismos, todo o estilo, têm uma função de empurrar a narrativa para criar outros sentidos, sempre relevantes para a história. Em “O Grande Gatsby”, ao contrário, toda a beleza estética, música pop, giros de câmera e profundidade de campo vindo do 3D só parecem estar ali para distrair, quase nos tirando da fruição da trama.
Mas o problema é que não somos tirados o suficiente para que não reconheçamos os defeitos inerentes. A insistência infantil de Luhrmann em uma disputa de classes, que fica mais no discurso dos personagens do que no enredo, e em um moralismo contra bebidas alcoólicas, o despropósito da estética pop forçada em uma ambientação da década de 1920 e o ensaio de uma metalinguagem que é bem frouxa – ele queria justificar o narrador? Só isso? – mostra apenas o quão mal ele leu a obra original.
Os esforços louváveis ficam com o elenco. Especialmente Edgerton e DiCaprio, que entregam personagens minimamente tridimensionais, balanceando bem defeitos e qualidades. É digno de nota ainda o trabalho de Jason Clarke como um pobre mecânico. Mas, ainda assim, é como uma orquestra em que cada instrumento está afinado, por descuido do maestro, em um tom diferente. Não funciona como experimento e o arranjo final fica apenas estranho. Nesse sentido, e insistindo um pouco na metáfora, a mais desafinada é Carey, atriz, em geral, com atuações bem melhores do que a apresentada aqui.
Se “O Grande Gatsby” é uma adaptação problemática, ele talvez funcione como filme por si só, separando-o da obra de Fitzgerald, certo? Infelizmente, não. Luhrmann possui uma mão pesada em seu estilo, características marcantes de sua obra, mais notadamente em “Moullin Rouge”. O problema é que todas essas escolhas estéticas, como exposto acima, não dialogam com os delicados subtextos pretendidos pelo autor original e no fim não passam disso: escolhas puramente estéticas.
Se tudo isso ainda não fosse suficiente, a trilha de Jay Z, fortemente marcada pela batida hip-hop, que em nada se relaciona com a Era do Jazz retratada nos escritos de Fitzgerald (o que, mais uma vez, nos faz perguntar, por que ele quis adaptar “O Grande Gatsby”, afinal?), acaba jogando a pá de cal do filme. A tosca versão de Beyoncé e André 3000 para “Back to Black”, neoclássico de Amy Winehouse, é prova concreta disso.
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Publicado originalmente no Portal POP.