“Detona Ralph” mantém o espírito da Disney em embalagem Pixar

É incrível que no mesmo ano em que a Pixar lança seu “filme de princesa”, a Disney tenha finalmente entendido como funcionam as animações no novo milênio. Isso é provado por “Detona Ralph”, seu mais novo trabalho, que, pela primeira vez, traz um roteiro coeso, que respeita adultos e crianças e, acima de tudo, é extremamente divertido, sem recorrer a vilões caricatos ou a romances forçados.

O filme se passa no universo dos jogos de fliperama, comuns no Brasil até o fim dos anos 90, em uma loja cheia deles, que se interligam por compartilhar as tomadas. No melhor estilo “clássicos da Pixar”, quando ninguém está olhando, os jogos têm uma vida própria, ainda que parte dos personagens levem bastante a sério suas personalidades dos games. Esse não é o caso de Ralph, vilão do jogo “Conserta Felix”, que acha injusto ser tratado mal. Afinal, ser vilão é seu trabalho, não seu modo de vida.

É aí que ele parte em uma missão pessoal para provar seu valor, abandonando seu jogo, o que causa duas consequências diretas: a primeira é que ele bagunça uma série de outros jogos e a segunda é que seu próprio jogo pode ser desligado, já que, sem vilão, é como se ele estivesse estragado. Para complicar as coisas, se Ralph morrer fora do seu jogo, não poderá reviver novamente.

Mas se a lógica do vilão regenerado (ou injustiçado, já que na historinha do game Ralph é jogado fora para que se construa um prédio, logo, ele tem suas razões para entrar em modo de fúria e querer destruir a construção) não é novidade, afinal. Já vimos “Meu Malvado Favorito” e “Megamente”. O trunfo aqui está em fazer graça com os videgames e a memória afetiva que temos. Afinal, crescemos com títulos como “Alex Kid”, “Pitfall”, “Sonic” e “Super Mario World”. Para começo de conversa, na hilária cena do grupo de ajuda aos vilões, em que vemos Zangief e M. Bizon, de “Street Fighter”, Scorpion, de “Mortal Kombat” ou o Dr. Robotinic, de “Sonic”, chorar as pitangas por serem maus.

Mas as surpresas não param por aí. Vale muito a pena prestar atenção à estação central por onde passam os personagens para ir de um jogo a outro. É cheio de pequenas surpresas e homenagens. Além disso, temos os próprios jogos que são mostrados com mais detalhes. “Conserta Felix” é quase idêntico em jogabilidade ao “Donkey Kong” original (o que lançou o Mario para o arcade), enquanto os outros dois jogos que são mostrados com mais detalhes, “Hero’s Duty” e “Sugar Rush” são variações de “Call of Duty” e “Mario Kart”.

É desses outros títulos que vêm dois ótimos personagens paralelos. Do “Hero’s Duty” a durona Sargento Calhoun e do “Sugar Rush” a ótima Vanellope von Schweetz. Essa última chega a roubar a cena, já que é considerada um glitch, ou um defeito no jogo (e, convenhamos, que é uma ideia excelente incluir um defeito de programação como personagem). Parte do charme de Vanellope está na voz original, cheia de malícia de Sarah Silverman, que é dublada com alguma competência por Marimoon, vejam vocês.

Do meio para o final do filme a gente é lembrado que quem está por trás de tudo é a Disney, afinal. O ritmo que vinha bem se perde um pouco, arrastando a narrativa, e os personagens começam a passar pelo obrigatório processo de autoconhecimento e abnegação, simbolizados pelo valor da amizade. Nada que não haja em outras animações feitas fora da Casa do Mickey, mas é sentida a mão pesada do estúdio em prol da boa mocice. Mas quando chega nesse ponto, já estamos tão envolvidos com o filme que nem ligamos para essas coisas. Só queremos ver todo mundo se abraçando no final obrigatoriamente feliz.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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