O mercado de ações é a perversão máxima do sistema capitalista. Ganha-se dinheiro, e muito, sem que nada seja produzido. Nem um cinzeiro. Nada. Em tempos de crise financeira, nada mais natural que a ficção se volte para esse universo, que se materializa em Wall Street. E, agora, Martin Scorsese concentra todo o vazio do enriquecimento que, mesmo quando é lícito, é imoral, em uma única figura: Jordan Belfort, interpretado por Leonardo DiCaprio.
“O Lobo de Wall Street” conta a história quase surreal demais para ser real de Belfort. Que de esquema em esquema vai se tornando rico. Cada vez mais rico. Tudo às custas da venda de ilusão. A maior delas, inclusive. A ilusão do enriquecimento – por que enriquecer implica, na maioria dos casos, em pagar contas, garantir os estudos dos filhos, não se preocupar com tratamentos de saúde. E se Belfort já é capaz de lhe vender algo que você não quer ou não precisa, imagina algo que você sempre sonhou?
Mas isso é só o começo do filme. Que fica mais e mais hiperbólico à medida que o apetite de Belfort para o luxo, festas, drogas e mulheres vai aumentando. E é aí que Scorsese saca todos os seus truques da manga – é impressionante que um cineasta de 70 anos ainda conserve essa energia e vitalidade. Os planos sequência, as narrações absolutamente irônicas de DiCaprio (e sua interpretação que não é nada menos do que vigorosa), a trilha rock`n roll, todo o corpo de coadjuvantes, tudo leva o filme para um novo patamar.
A coisa ainda melhora quando ele mescla, sem ruídos, as imagens da história de Belfort com a produção em TV e vídeo da época em que o filme é ambientado. São comerciais, infomerciais, vídeos de casamento – imagine um casamento filmado por Scorsese? – e tudo o mais que cabiam nas fitas de VHS dos anos 80. Tudo não passa de estratégia para aumentar a noção de realidade do filme. E, quer saber? Funciona que é uma beleza.
Jordan Belfort é a versão adulta e egomaníaca de outro personagem clássico de DiCaprio: o Frank Abagnale Jr. de “Prenda-me se For Capaz”. E não é por acaso que, no começo de “O Lobo”, quando Belfort ainda é um pouco inocente, o trabalho do ator seja tão similar nos dois filmes. O modo operante básico é o mesmo para os dois personagens, afinal. Se ele pode e quer ter algo, independente de ser ético ou moral, ele deve ter. Não chega nem mesmo a ser a perversão do sonho americano, senão apenas característica básica de sua versão mais pura e simples.
Mas os dois personagens se distanciam ainda no primeiro quarto de “O Lobo” por uma característica tão cara à Belfort, quanto à própria lógica americano-capitalista-voraz: o espetáculo. É no palco em frente a seu exército de corretores – ou nas insanas festas regadas a drogas – que Belfort exerce sua melhor característica. E o fascínio de seus discursos inflamados, ornados pela sua personalidade explosiva, é algo que atinge não apenas seus funcionários ou público que assiste o filme. Mais importante – e crucial para sua inevitável queda -, quem mais se embebeda disso é ele próprio.
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Publicado originalmente no Portal POP.