Logo na primeira sequência de “O Agente da U.N.C.L.E.”, fica claro que estamos diante de um filme que está interessado em ser cinema. Napoleon Solo (Henry Cavill) precisa passar pelo Checkpoint Charlie, do lado ocidental para o oriental de Berlim. Com alguns closes e cortes rápidos, ficamos sabendo que ele está atento a tudo o que está a sua volta. Quer dizer que os enquadramentos e movimentos de câmera são tão importantes para contar a história e apronfundar as características e relações entre os personagens quanto os diálogos ou as tramas em si. Esta talvez seja a primeira vez, depois de 20 anos de carreira como diretor, que os maneirismos de Guy Ritchie, herdados do auge da era do videoclipe, tenham sido usados em favor da narrativa e do estabelecimento de um clima dramático sólido.
Claro, nos dois “Sherlock Holmes”, Ritchie incorporou seu estilo à narrativa ao desacelerar o tempo e mostrar o detetive vivido por Robert Downey Jr. rapidamente analisando uma situação ou as fraquezas de um oponente. Mas, se antes serviam para mostrar a agilidade de pensamento de Sherlock, agora servem a um propósito maior: nos fazer mergulhar de cabeça nas mentes afiadas dos dois espiões, Solo e Illya Kuryakin (Armie Hammer), que farão de tudo para salvar a mocinha, Gaby Teller (Alicia Vikander), e o planeta de uma conspiração pós-nazista.
É o que evita com que o filme caia na banalidade, ainda que nem sempre seja eficiente. Na cena de perseguição no clímax, por exemplo, temos a câmera indo para o alto, enfocando os veículos e indo para o alto novamente. A ideia era ser didático, tentando deixar claro para nós, espectadores, onde está cada um dos envolvidos. Mas o resultado é mais confuso do que se fosse filmado de forma convencional. Há, porém, alguns momentos de puro brilhantismo, como quando Solo aproveita um lanche em um caminhão enquanto vê Kuryakin ser perseguido. Só essa sequência já vale o ingresso.
Toda a agilidade tem ainda outra função, que está na espinha dorsal de “O Agente da U.N.C.L.E.”: o charme, questão fundamental em um filme sobre espionagem durante a Guerra Fria que não quer ser levado a sério. A alternativa seria criar tensão o tempo todo (como em “O Espião Que Sabia Demais”), que não serviria ao propósito das bilheterias. Fica, então, o acerto de se preocupar mais com o carisma dos personagens, especialmente de Vikander e Cavill, e como isso poderia transbordar para a narrativa através do estilo de Ritchie. Saem os comentários políticos e fica a diversão.
O que não quer dizer que “O Agente da U.N.C.L.E.” não se permita algum subtexto: a forte conotação homoerótica da relação entre Solo e Kuryakin. Isso não é novidade no cinema de Ritchie, em que os laços entre os homens são sempre mais fortes do que os entre casais. Pense nos grupos de amigos de “Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes”, ou de “Snatch – Porcos e Diamantes”, ou mesmo na relação entre Sherlock e Watson. Mas, nesses filmes, o relacionamento é mais ou menos harmônico. Em “U.N.C.L.E.” entra em cena a questão da rivalidade entre os dois personagens.
É por causa da rivalidade que a tensão sexual entre os dois agentes explode. Eles logo começam a se tratar por apelidos carinhosos (Perigo, para o russo, e Caubói, para o americano) e ficam disputando quem é o melhor espião, quase como quem não resiste a uma olhadinha para o lado no mictório (não por acaso, cenário de duas cenas de luta). O fato de Solo ser um mulherengo compulsivo e de Kuryakin e Gaby logo começarem a flertar ajuda bem pouco a esconder a química que os dois possuem. O que só contribui para a dinâmica do filme.
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Publicado originalmente no Portal POP.